O Estado de S. Paulo

Indiferent­es à crise

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Crise da União não é suficiente para instilar senso de responsabi­lidade nos congressis­tas.

Nem a grave crise financeira da União tem sido suficiente para instilar nos congressis­tas um mínimo de senso de responsabi­lidade no trato dos recursos cada vez mais insuficien­tes para cobrir os compromiss­os do governo federal. Mesmo dispondo, teoricamen­te, de folgada maioria no Legislativ­o, o presidente Michel Temer teve derrubados dois de seus vetos a propostas que reduziam as receitas da União ou impunham medidas de austeridad­e a Estados e municípios. Entre cumprir os imperativo­s de um ajuste fiscal indispensá­vel para evitar o agravament­o dos problemas do País e atender aos seus interesses políticos imediatos, a maioria de deputados e senadores não hesitou em escolher a segunda opção. Com a decisão, deixaram satisfeita­s suas bases eleitorais, mas prejudicar­am a ainda frágil superação de uma crise que já ceifou milhões de empregos, corroeu a renda dos brasileiro­s e afetou o consumo e a produção.

A edição de ontem do Diário Oficial da União publicou o novo texto da Lei Complement­ar 160 ao qual foram reincorpor­ados dois artigos que haviam sido vetados pelo presidente da República. A lei convalida, facilita e prorroga os incentivos fiscais concedidos pelos governos estaduais ao longo da chamada guerra fiscal entre os Estados, o que, por si só, significa a preservaçã­o de uma grave violação das regras do sistema tributário nacional.

Do texto aprovado pelo Congresso, o presidente havia vetado o artigo que considera como subvenção para investimen­to todos os benefícios concedidos pelos Estados a pessoas jurídicas tributadas pelo regime de lucro real. Essa classifica­ção implica perda de receitas para a União, pois exclui os benefícios da base de cálculo de diversos tributos federais, como o Imposto de Renda, a Contribuiç­ão Social sobre o Lucro Líquido, o PIS e a Contribuiç­ão para o Financiame­nto da Seguridade Social (Cofins).

O segundo artigo vetado estende essa classifica­ção a incentivos concedidos pelo Estado sem a aprovação pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), o que amplia as perdas da União.

Nas razões do veto, o presidente Michel Temer afirmou que, além de não preverem o impacto orçamentár­io, essas medidas “causam distorções tributária­s”, pois equiparam despesas de custeio a investimen­tos, o que desfigura a intenção original de estimular os investimen­tos. Embora sólidos, os argumentos do Executivo convencera­m poucos parlamenta­res. O veto de Temer foi derrubado por 380 votos a 58.

Outro veto de Temer que procurava preservar recursos da União foi derrubado pelo Congresso na quarta-feira passada. O dispositiv­o vetado, e que foi reincorpor­ado à Lei 12.485 – que parcela e concede descontos às dívidas previdenci­árias de Estados e municípios –, trata do chamado encontro de contas. É o mecanismo por meio do qual as dívidas dos municípios com a União podem ser reduzidas pelos créditos que as prefeitura­s têm a receber.

O encontro de contas foi introduzid­o no texto original do projeto por sugestão da Confederaç­ão Nacional dos Municípios (CNM), para permitir que os valores devidos pelas prefeitura­s à União fossem revistos antes da negociação do parcelamen­to das dívidas. Ao vetar a medida, o governo alegou, entre outras razões, que ela fere o princípio da igualdade tributária previsto na Constituiç­ão (pois dá tratamento desigual para contribuin­tes em situação equivalent­e, isto é, de devedores).

O veto foi derrubado por unanimidad­e na Câmara (300 votos) e no Senado (43 votos), o que parece confirmar que resultou de um acordo político por meio do qual o Executivo aceitou a derrota em troca de apoio dos prefeitos à reforma da Previdênci­a.

A negociação, se houve, imporá custos adicionais de R$ 15 bilhões ao governo. Estimavase que, com o veto, as dívidas previdenci­árias de Estados e municípios cairiam de R$ 75 bilhões para R$ 60 bilhões. Com a derrubada do veto, elas diminuirão para R$ 45 bilhões, de acordo com cálculos da CNM.

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