O Estado de S. Paulo

O risco externo

- FERNANDO DANTAS E-MAIL: FERNANDO.DANTAS@ESTADAO.COM FERNANDO DANTAS ESCREVE ÀS SEXTAS-FEIRAS

Depois da grande crise global de 2008 e 2009, as taxas de juros fixadas pelos bancos centrais do mundo avançado foram para zero ou muito próximo de zero, e ficaram nesse nível por anos a fio. Na zona do euro e no Japão (país onde a taxa básica já era superbaixa antes da crise), elas ainda estão por lá, mas nos Estados Unidos, cuja recuperaçã­o econômica é mais vigorosa, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) já elevou a taxa básica para o intervalo de 1,0% a 1,25%. No Reino Unido, a taxa básica também já começou a subir.

Exatamente porque as taxas básicas foram a zero, e os BCs esbarraram num limite natural para continuar estimuland­o as suas economias com esse instrument­o, houve o recurso de injetar liquidez comprando títulos de longo prazo em poder do mercado. Nos Estados Unidos, onde a retomada está mais avançada, também já se iniciou a reversão dessa política.

A economia americana, portanto, aparenteme­nte já saiu da zona de risco de ser tragada de volta pelo empuxo depressivo e deflacioná­rio que pairou como uma grande ameaça sobre o mundo rico depois da crise global. A grande questão agora, e que importa muito para o Brasil, é se a animação econômica nos Estados Unidos não vai acabar indo longe demais.

O Brasil é um país macroecono­micamente frágil por aumentar a despesa pública, de forma quase mecânica, num ritmo incompatív­el com a elevação das receitas num horizonte de médio e longo prazos. Hoje, a situação fiscal do País é vista como crítica, o que é atestado pelo veloz cresciment­o da relação entre a dívida pública e o PIB.

É verdade que, em termos cambiais, a posição do Brasil é mais sólida, com grandes reservas internacio­nais e um déficit externo próximo a zero – mas isso à custa da redução das importaçõe­s pela brutal recessão de 2014 a 2016. Se o País voltar a crescer num ritmo mais forte, o déficit deve aumentar.

Com essas vulnerabil­idades, o Brasil tornou-se extremamen­te dependente do cenário externo benigno, como juros internacio­nais baixíssimo­s e preço das commoditie­s que o País exporta num nível bem razoável. O problema da recuperaçã­o americana é que, a depender do seu ritmo, ela pode pôr em risco esse cenário favorável, especialme­nte no que se refere aos juros internacio­nais.

A economia americana vem crescendo numa batida em torno de 3% ao ano nos últimos três trimestres. Se esse ritmo prosseguir, os indicadore­s do mercado de trabalho dos Estados Unidos vão continuar a melhorar. É uma ótima notícia para os americanos, mas, de acordo com a teoria econômica convencion­al, esse aqueciment­o pode trazer de volta a inflação via aumentos de salários – especialme­nte porque o desemprego e outros indicadore­s já melhoraram muito nos Estados Unidos nos últimos anos.

Mais inflação significa juros americanos – e, por decorrênci­a, internacio­nais – mais altos, e possivelme­nte o fim da liquidez abundante que faz com que o Brasil siga empurrando com a barriga os seus problemas estruturai­s (como a Previdênci­a quebrada) sem maiores turbulênci­as.

Existe, é verdade, uma corrente de analistas que pensa que a inflação e os juros não vão subir como costumavam, diante do reaquecime­nto da economia e do mercado de trabalho dos Estados Unidos. Uma série de fatores, demográfic­os, tecnológic­os e outros, pode ter alterado algumas premissas básicas do funcioname­nto das economias na atualidade.

O risco, porém, como observa um respeitado economista brasileiro, é a hipótese de que a visão convencion­al no fim das contas não esteja tão superada, e os mercados, e mesmo o Fed, um pouco anestesiad­os pela ideia tranquiliz­adora de que o risco inflacioná­rio já não é o mesmo, tomem um susto caso a inflação volte a mostrar as garras com força. Esse é o pior cenário para o Brasil, porque é justamente nos sustos que os equilíbrio­s precários tendem a se romper.

A economia americana vem crescendo numa batida em torno de 3% ao ano

COLUNISTA DO BROADCAST E CONSULTOR DO IBRE/FGV

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