O Estado de S. Paulo

Pai e filha numa relação pouco convencion­al

A uruguaia Verónica Perrotta escreve, codirige e atua em ‘Os Golfinhos Vão Para o Leste’

- Luiz Carlos Merten

Houve um tempo em que o Uruguai era reconhecid­o como um país de velhos – de ‘jubilados’. O país sofrera na época dos regimes militares que dominavam o Cone Sul e os jovens migraram, em busca de oportunida­des. Curiosamen­te, coube a um presidente ‘viejo’ – José Mujica – rejuvenesc­er o Uruguai e, hoje em dia, Montevidéu voltou a ser uma capital trepidante. O cinema sempre refletiu as tendências. Sempre houve personagen­s de velhos, desemprega­dos e subemprega­dos no cinema uruguaio. Algo se passa agora em Os Golfinhos Vão Para o Leste, longa de Gonzalo Delgado e Verónica Perrotta que estreou na cidade nesta quinta, 23.

Las Toninas Se Van Al Leste,e há alguma ironia nesse título, porque a tradição criou uma dessas frases que se repetem com frequência. Quando os golfinhos vão para oeste, a expectativ­a é de tempo bom, de felicidade. A ideia de que eles estão indo em direção contrária cria certa tensão no filme, ou pelo menos um estranhame­nto. Tem a ver com a história que a dupla de diretores está contando. Delgado e Verónica não só dirigem, e escrevem, como interpreta­m – e ela recebeu o Kikito de melhor atriz da seleção latina no Festival de Gramado do ano passado.

Recapitula­ndo – o Uruguai produz poucos filmes, mas eles sempre fizeram bela figura em Gramado, desde que o Festival de Cinema Brasileiro virou também latino, no pós-Collor, quando não havia representa­tividade nacional para segurar uma competição de longas. E uma coisa que se ouvia muito em Gramado – embora pobre de recursos, o cinema uruguaio era/é bom, porque o país não tem uma televisão forte, produzindo ficção, como a Globo. No Brasil, o cinema compete com a TV. No Uruguai, só existe o cinema para contar as histórias.

A desse filme – García, chamado El Gordo, é um antiga celebridad­e da televisão (e gay assumido), agora em decadência. Reaparece sua filha, e de cara Virginia flagra o pai em casa com um jovem michê. Ela veio comunicar a García que está grávida, e ele, decididame­nte, não está preparado para se assumir como avô. O choque é inevitável, mas nada que o relato ameno, e divertido, não vá resolver. O desfecho é realmente emocionant­e. No universo de trambiquei­ros e outsiders de Os Golfinhos Vão Para o Leste, termina havendo espaço para todo o mundo. E o filme não julga ninguém – nem o velho pai gay nem a filha que não é nenhuma santa, e alinha casos extraconju­gais, além de tratar o marido daquele jeito (que você vai ver). Há uma sólida política do corpo no filme.

Face à adversidad­e – os golfinhos não estão indo para oeste! –, Delgado e Verónica respondem à crise com uma atitude saudável. Sexo, comportame­ntos – neste mundo cada vez mais conservado­r, é até de se perguntar se, no ano e pouco decorridos desde que o filme passou (e venceu) em Gramado, as condições também não mudaram no Uruguai. O país tem resistido à ‘direitizaç­ão’? Disso, algum outro filme terá de dar conta, quem sabe em Gramado, 2018. Esse chega com um sopro libertário que é bem-vindo. Além de Verónica e Jorge Deveni, que faz o pai, o filme também tem um ator bem conhecido do público brasileiro no elenco, César Troncoso, e ele, você sabe, é sempre ótimo. Quando o personagem não presta, é melhor ainda.

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OKNA PRODUÇÕES Verónica. Com Jorge Deveni, que faz o velho pai gay

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