O Estado de S. Paulo

Nação Zumbi recria clássicos dos Beatles, Bowie e Tim Maia

De Gilberto Gil a David Bowie, Nação Zumbi reconstrói clássicos em disco

- Pedro Antunes

Nos anos de moleque, Jorge José de Lira, o Du Peixe, vocalista da Nação Zumbi, gastava suas tardes produzindo “seletas” em fitas K7 para ele mesmo e para distribuir para os amigos. Viaja, musicalmen­te, do berço da soul e do funk com James Brown, aos ritmos frenéticos do afrobeat do nigeriano Fela Kuti. Para apimentar a seleção, as incrementa­va com músicas de bandas como o Tortoise, grupo post rock instrument­al e esfomeada por experiment­ações e ruídos. Cada fitinha daquelas, diz Du Peixe, carregava uma viagem por distantes lugares do tempo e espaço. “Era possível viajar com elas ali”, explica.

O Du Peixe que fala ao Estado viveu mais de três décadas desde então. Tocou em festinhas, foi DJ, passou a integrar o time de percussão do grupo liderado pelo amigo Chico Science que revolucion­ou o rock nacional na década de 1990, a Chico Science e a Nação Zumbi. Perdeu o vocalista num acidente automobilí­stico e encontrou forças, com o restante do grupo, para seguir com a Nação. Assumiu o microfone e, diante dele, lançou seis discos.

Todo esse currículo por extenso serve para expor a distância temporal entre o Du Peixe que regravava as fitinhas para o de hoje, aos 50 anos, pronto para lançar um novo álbum com a Nação Zumbi, em uma clara homenagem aos tempos nos quais as K7 dominavam o sistema de som do jovem. Porque Radiola NZ Vol. 1, lançado nesta sexta-feira, 24, é uma reunião de histórias musicais. Uma espécie de playlist em forma de disco com inspiraçõe­s na curadoria musical realizada manualment­e durante os anos 1970 e 1980. Mudou-se a mídia (o disco sairá formato físico e nas plataforma­s digitais), mas a vontade de viajar pela música é a mesma.

Radiola NZ é um álbum no qual a Nação Zumbi se abriu para reinterpre­tar as obras de outros cantores e compositor­es. Ao longo dos dois últimos anos, o quinteto – formado por Du Peixe (voz), Lúcio Maia (guitarra), Alexandre Dengue (baixo), Pupillo (bateria) e Toca Ogan (percussão) – buscou as músicas que mais lhe traziam boas lembranças. Ao fazê-lo, enfim deram corpo a um projeto estacionad­o na casa das ideias da banda desde antes do lançamento do segundo álbum deles, Rádio S.Amb.A., de 2000.

E o “Vol. 1”, do título, não esconde a ideia de dar continuida­de ao projeto. Nesta primeira edição, chegaram a nove canções, de Gilberto Gil (a lindíssima Refazenda, de 1975) a Ashes To Ashes (uma música de David Bowie lançada em 1980, com uma vibe mezzo new wave, mezzo funk, na qual ele desconstró­i o personagem Major Tom, personagem da canção Space Oddity, e o transforma em um junkie). Na primeira, o arranjo de Letieres Leite e a Orquestra Rumpilezz chamam a atenção para essa nova visão do sertão de Gil. Na canção de Bowie, a voz grave de Du Peixe se mostra bem acompanhad­a do grave que estoura os fones caracterís­tico nos discos da Nação. “Ouvíamos muito essa música nas festas no Recife. E, quando era DJ, também colocava para tocar”, relembra

“É preciso ter cuidado. Não é simples fazer uma versão”, continua Du Peixe. O núcleo da Nação (Du Peixe, Maia, Pupillo e Dengue) têm experiênci­a no equilíbrio entre respeitar e ousar na obra alheia há 19 anos – desde 1998, eles também formam o grupo Los Seboso Postizos, uma banda dedicada a interpreta­r o cancioneir­o de Jorge Ben Jor. Do projeto com Ney Matogrosso, centrado na apresentaç­ão no Rock in Rio 2017, ficou Amor, música dos Secos & Molhados.

Sai dessa radiola (nome dado também às vitrolas e aos soundysten­s do Maranhão) uma linguagem muito própria da Nação, capaz de imprimir uma estética de diálogo entre Tomorrow Never Knows, canção de autoria de Paul McCartney e John Lennon, do disco Revolver (1966), dos Beatles, com a poesia de Taiguara registrada por Erasmo Carlos no seu mais clássico disco, Carlos, Erasmo, chamada Dois Animais na Selva Suja da Rua.

Não alheia a seu tempo, a Nação refaz o sentido das fitas cassete com Radiola NZ, importando o conceito para o mundo da música digital. E Du Peixe, aos 50, mantém o hábito da adolescênc­ia: vez ou outra envia para os amigos uma nova seleção de músicas – agora, no formato de playlists no Spotify.

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DOVILÉ BABRAVICIU­TÉ Entressafr­a. Registro de versões chega no intervalo entre o álbum de 2014 e o novo disco
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R$ 20 (E PLATAFORMA­S DIGITAIS)
NAÇÃO ZUMBI RADIOLA NZ VOL.1 BABEL SUNSET R$ 20 (E PLATAFORMA­S DIGITAIS)

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