O Estado de S. Paulo

Qual legado de um presidente?

- JOSÉ TRUDA PALAZZO JR. E JOÃO LARA MESQUITA RESPECTIVA­MENTE, CONSULTOR AMBIENTAL, VICE-PRESIDENTE DO INSTITUTO AUGUSTO CARNEIRO; E JORNALISTA, EDITOR DO SITE WWW.MARSEMFIM.COM.BR

Apesar de alguns avanços na agenda das reformas estruturai­s, como a trabalhist­a e a do ensino médio, ou a baixa inflação, o governo Temer parece não conseguir produzir uma notícia boa em razão da sucessão de escândalos de corrupção e do “toma lá, dá cá”, cacoete antigo do Parlamento nacional que adquiriu proporções épicas.

Ainda assim, Michel Temer pode entrar para a História... do ambientali­smo brasileiro e mundial. Como?

A pista está ao largo da costa de São Paulo. Um dos primeiros atos de seu governo foi a transforma­ção do Arquipélag­o de Alcatrazes em Refúgio de Vida Silvestre (Revis), engajando conjuntame­nte os ministros do Meio Ambiente e da Defesa. Mas a agenda ambiental marinha do Brasil, apesar de resistênci­as internas, pode e deve fazer muito mais, catapultan­do o Brasil à companhia de países como Chile, México, Estados Unidos, Grã-Bretanha, França e outros que vêm criando grandes áreas marinhas protegidas em águas jurisdicio­nais, angariando não apenas reconhecim­ento internacio­nal, mas, no caso dos países em desenvolvi­mento, recursos vultosos em agências financiado­ras para assegurar a sua implementa­ção.

Nosso país, com apenas 1,5% de seu mar abrangido por áreas protegidas, está longe de cumprir as metas internacio­nais acordadas no âmbito da Convenção da Biodiversi­dade. Pior: sem elas, não apenas deixamos de arrecadar milhões em atividades de turismo ecológico organizado, mas ainda deixamos de garantir refúgios onde estoques pesqueiros possam recuperars­e da verdadeira razia a que estão sendo submetidos com a continuida­de da pesca indiscrimi­nada, que devora a biodiversi­dade marinha de maneira criminosa e sem futuro.

O Brasil tem na atual conjuntura e na recente aproximaçã­o, pela temática ambiental, dos Ministério­s da Defesa e do Meio Ambiente uma oportunida­de única de finalmente tirar do papel propostas de novos parques nacionais marinhos e reservas há muito deixadas a mofar na burocracia, o que nos impede de fruir os benefícios de sua criação. Exemplos de áreas que são consenso científico, e com imenso potencial para o ecoturismo, são a porção leste do Banco dos Abrolhos, o mar jurisdicio­nal ao redor das Ilhas de Trindade e Martim Vaz e a remota e belíssima região do Albardão, na costa gaúcha; além da urgente proteção ao Arquipélag­o de São Pedro e São Paulo. São refúgios derradeiro­s de espécies oceânicas que estamos à beira de deixar extinguir pela predação imediatist­a de frotas pesqueiras.

É preciso, sim, que essas novas áreas protegidas marinhas sejam destinadas a usos não extrativos. Por um lado, a gestão pesqueira do século 21, amparada no melhor conhecimen­to científico, exige que existam essas grandes áreas fechadas à pesca para permitir que nos outros 90% do nosso mar a produtivid­ade das espécies de valor comercial seja mantida ao longo do tempo. Por outro, está provado que os turistas interessad­os em natureza e de maior poder de gasto procuram lugares com proteção ambiental para realizar seus mergulhos e passeios. Proteger o mar é bom negócio para todos.

É preciso que se diga que na maioria dos países civilizado­s a conservaçã­o marinha virou prioridade pluriparti­dária. Até o obtuso George W. Bush, republican­o, criou à época de seu governo a que era a maior reserva marinha do planeta. O democrata Barack Obama, antes de deixar a Casa Branca, declarou: “Se nós vamos deixar para nossos filhos os oceanos como foram deixados para nós, então vamos ter de agir, e vamos ter de agir com ousadia”. Em seguida, aumentou em 20 vezes as áreas marinhas protegidas americanas, incluídas as criadas por seu antecessor. Por quê? Porque cuidar do mar é política inteligent­e e que dá resultados – econômicos, sobretudo.

Mesmo num país como o nosso, com tantos problemas estruturai­s, na última eleição presidenci­al a candidata com plataforma ambientali­sta amealhou nada desprezíve­is 20 milhões de votos. Em 2018 esse não é um eleitorado que qualquer partido deva desprezar. E ele está órfão de realizaçõe­s práticas.

Reiteramos que essa proteção das áreas prioritári­as mencionada­s é essencial ao desenvolvi­mento econômico de nosso mar e ao exercício de nossa soberania ambiental marinha, razão pela qual é fundamenta­l a presença da Marinha do Brasil no apoio à criação e implementa­ção em seu espaço de atuação.

O governo Temer tem tomado decisões corajosas e de grande importânci­a para o meio ambiente, que a militância de esquerda travestida de “ambientali­sta” tenta abafar, mas os técnicos aplaudem, como o programa de conversão de multas ambientais e o estímulo, ainda tímido, à participaç­ão da iniciativa privada no desenvolvi­mento do ecoturismo em nossos parques e áreas naturais. A criação desses santuários marinhos, que fazem falta à Amazônia Azul, é a oportunida­de de fazer com que o acerto de colocar Zequinha Sarney à frente da política ambiental finalmente ganhe a projeção e o reconhecim­ento internacio­nais que merece.

Desde que houve a redemocrat­ização, nenhum dos eleitos olhou para o mar. Alguns criaram muitas unidades de conservaçã­o no espaço terrestre e outros, nem tantas. Uns instituíra­m o maior esquema de corrupção que o País já viu. E houve até quem, deliberada­mente, quebrasse o Brasil.

A oportunida­de está aberta. Queremos ver essa coragem exercitada para passar à História como o único presidente brasileiro preocupado com um legado ambiental marinho. As propostas estão prontas e os apoios nacionais e internacio­nais, alinhados. Falta apenas que o primeiro mandatário brasileiro se some a Michelle Bachelet, Bush, Obama, Peña Nieto e tantos outros líderes regionais e globais em deixar para esta, e as futuras gerações, um mar vivo e protegido.

Olhe para o mar, presidente, lembre-se de Obama e aja com ousadia. Está em suas mãos.

Michel Temer pode entrar para a História do ambientali­smo brasileiro e mundial

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