Enchentes à vista
Tão certo quanto a regularidade das chuvas – alguns anos mais, outros menos, elas nunca falham – é o sofrimento dos paulistanos com os danos causados por elas. Sofrimento que varia de acordo com a região da cidade, indo das inundações registradas em pontos críticos aos pequenos alagamentos em bairros com melhor infraestrutura urbana. Mas delas ninguém escapa, e há muito tempo. E neste ano a Prefeitura pouco fez até agora da lição de casa para minorar os efeitos das chuvas.
Dos recursos destinados neste ano aos serviços rotineiros de manutenção do sistema de drenagem – limpeza de bueiros, bocas de lobo, córregos e piscinões –, a Prefeitura gastou apenas pouco mais da metade, como mostra reportagem do Estado, feita com base em dados da Secretaria Municipal da Fazenda. E já estamos quase no fim do exercício. Foram 56% dos R$ 147 milhões previstos no orçamento destinados às prefeituras regionais para aquela finalidade. Um desempenho abaixo do registrado entre janeiro a outubro de 2016, o último ano do governo anterior, que esteve muito longe de ser brilhante. Em outras palavras, tudo indica – porque a essa altura é muito difícil mudar esse quadro até o final de dezembro – que a situação vai ficar pior do que uma que já não era boa.
O desempenho varia muito conforme a região. Se no Butantã, na zona oeste, ele chegou a 71%, no Itaim Paulista, na zona leste, ficou em minguados 33%. Mas essa variação não favorece necessariamente os bairros mais abastados. O mau desempenho não poupou ninguém, embora os bairros carentes fiquem, mesmo assim, mais expostos às inundações por causa de suas estruturas deficientes. As chuvas mal começaram e os paulistanos que vivem nos bairros carentes já demonstram preocupação. O depoimento de um líder comunitário do Jardim Pantanal, no extremo da zona leste – Anderson Cunha–, ilustra bem a situação. Ele diz não ter visto neste ano limpeza de bueiros na região, e que também os Córregos Três Pontes, Itaim e Águas Vermelhas estão sujos. Eles deságuam em um lago que, faz pouco tempo, ficou no limite de transbordar.
A conjugação de dois elementos torna a situação particularmente delicada. Um deles, lembrado por Júlio Cerqueira César Neto – especialista em drenagem urbana e ex-diretor de Planejamento do Departamento de Águas e Energia Elétrica –, é que o sistema de macrodrenagem da cidade está superado há mais de duas décadas. “A cidade cresceu demais, ficou impermeável. Os canais já não têm capacidade para escoar a água da chuva. Toda tempestade vai resultar em alagamentos”, diz ele. O outro é o fato de a Prefeitura falhar mesmo na manutenção rotineira desse sistema de drenagem. Ainda que ela fosse impecável, as coisas já seriam complicadas.
A Prefeitura não tem nem mesmo a desculpa de que não foi alertada. Dias atrás, Paulo Cahim, que era prefeito regional da Casa Verde/Cachoeirinha, reclamou da falta de recursos para fazer a limpeza de um piscinão. Como em princípio era um homem de confiança do prefeito João Doria, a julgar pelo cargo que ocupava, sua queixa deveria ter sido considerada. E também porque, como agora os dados da reportagem confirmam, ele tinha razão. Mas Doria preferiu demiti-lo sumariamente, e de forma espalhafatosa, com a alegação de que a reclamação foi feita em público.
A explicação da Prefeitura para o que ocorre nesse setor da administração está longe de ser convincente. Nota oficial diz, por exemplo, que “o cronograma de limpeza é definido para cada uma das 32 prefeituras regionais, de acordo com necessidade e planejamento técnico”, o que a rigor não quer dizer grande coisa.
A esperança que resta para esse e outros setores da administração municipal entrarem nos eixos é o prefeito João Doria assumir, enfim e efetivamente, a chefia do governo. Agora que sua queda nas pesquisas indica que seu sonho presidencial não tinha a solidez que imaginava, Doria pode voltar sua atenção e sua energia para a solução dos problemas da cidade.