O novo livro de Dan Brown, entre Kubrick e Almodóvar
Encravado na nova era das redes sociais, ‘Origem’ transforma questões viscerais em puro divertimento
Nos extensos agradecimentos de Origem, seu novo livro, Dan Brown agradece ao editor Jason Kaufman “por sua compreensão pelo que estou tentando realizar com essas histórias”; e à sua mulher, Blythe, pintora e historiadora de arte, que colabora na pesquisa dos livros. O que Brown está tentando realizar? É um grande escritor, inútil negar, como Ron Howard, que tem adaptado a série de Robert Langdon para o cinema, também é um grande realizador e, eventualmente, um autor. Brown é um ‘entertainer’. Constrói sua obra por meio da abordagem dos temas da ciência e da religião, e o fato de Langdon ser um simbologista agrega ao caráter lúdico. Boa parte dos problemas que os livros levantam diz respeito à decifração de símbolos. Talvez o leitor interessado deva interromper a leitura para retomá-la depois de ler Origem.
De cara, Brown adverte. “Todas as obras de arte, toda a arquitetura, todos os locais, conceitos de ciência e organizações religiosas deste livro são reais.” Na abertura, o futurólogo (e mago digital) Edmond Kirsch reúne-se com importantes líderes – católico, judeu e islâmico – para apresentar seu projeto. Kirsch diz que resolveu o nó górdio da humanidade e poderá responder às questões essenciais – de onde viemos? Para onde vamos? –, mas que isso representará um golpe mortal nas religiões. Corte para o Museu Guggenheim, em Bilbao, onde Langdon, com milhares de outros convidados, chega para assistir à apresentação de Kirsch.
O anúncio está sendo seguido em tempo real pela internet e a assistência planetária atinge números estratosféricos quando Kirsch é assassinado no palco e Langdon foge com a diretora do museu, Ambra Vidal, que ocorre ser a noiva do herdeiro do trono da Espanha. Ambos tentarão concluir a apresentação de Kirsch, mas forças poderosas vão impedir e os indícios apontam para o velho confessor do rei moribundo. Nas redes sociais, surge todo tipo de boataria. Há um supercomputador – quântico – nessa história. Winston, como Churchill. Entre outras lendas urbanas, conta-se como Stanley Kubrick batizou o computador de 2001 de Hal para que cada letra estivesse à frente da sigla IBM. Hal queria tomar o poder. Winston é o Hal que tomou o poder.
Como livro, é fascinante. Todas aquelas informações sobre Gaudí, sobre a Casa Milà e a Sagrada Família, peças importantes no quebra-cabeças. Mas, e as questões essenciais? Pode a ficção respondê-las? É ‘entertaining’, não acurado – todas as maquinações que a inteligência artificial é capaz de urdir. Winston, no limite, é um monstro? Nem ciência, nem religião – o homem. O mais curioso é o conceito ‘almodovariano’ de família. Brown, com certeza, viu Tudo Sobre Minha Mãe. O príncipe herdeiro é criado por um par gay – na Espanha católica! ‘Entertaining’ é pouco. Difícil vai ser, para Ron Howard, adaptar essa história com todas as letras.