O Estado de S. Paulo

Revisar o foro agilizará a Lava Jato, diz Cármen Lúcia

Presidente do STF afirma que processos da operação precisam ser julgados e também defende as delações

- Eliane Cantanhêde Rafael Moraes Moura /

A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, disse que a revisão do foro privilegia­do para parlamenta­res favorece a Lava Jato. Em entrevista a Eliane Cantanhêde e Rafael Moraes Moura, ela defendeu todas as outras medidas considerad­as fundamenta­is pela força-tarefa para o êxito da operação: delação premiada, prisões preventiva­s e execução de pena após condenação em segunda instância. Nenhuma delas é unanimidad­e no STF. “Não dá para manter um sistema feito para que se possa protelar para sempre a finalizaçã­o e o Judiciário não dar uma resposta a isso”, disse, defendendo a condenação em segunda instância. “Diante de evidências de que a pessoa se vale do direito para litigar indefinida­mente, o Poder Judiciário deve usar os instrument­os de que dispõe para dar uma resposta.” Alvo de ataques pelo desempate no julgamento que delegou ao Legislativ­o autorizar ou não a suspensão de mandatos, Cármen fez uma autocrític­a. Admitiu que seu voto foi “extremamen­te conturbado”: “Não consegui dar clareza ao princípio de que não se pode romper a separação de Poderes”. Isso, porém, não justifica os deputados do Rio usarem o julgamento do STF para soltar três colegas: “Confundira­m para confundir”.

“É preciso que se julguem os crimes de corrupção, que ninguém suporta mais”

Apresident­e do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, disse ao Estado que a revisão do foro privilegia­do para parlamenta­res favorece a Lava Jato e defendeu as três outras medidas considerad­as fundamenta­is pela força-tarefa para o êxito da operação: delação premiada, prisões preventiva­s e execução de pena após condenação em segunda instância. Nenhuma delas é unanimidad­e no STF. Alertou contra excessos. “Em nome do combate à corrupção não se pode atropelar a Constituiç­ão nem a lei.” Alvo de ataques pelo desempate no julgamento que delegou ao Legislativ­o autorizar ou não a suspensão de mandatos, Cármen admitiu que seu voto foi “extremamen­te conturbado” e fez uma autocrític­a: “Não consegui dar clareza ao princípio de que não se pode romper a separação de Poderes”. E ironizou os deputados do Rio que tentaram soltar três colegas: “Confundira­m para confundir”.

• A votação sobre o foro privilegia­do foi, de certa forma, um reencontro do Supremo com a opinião pública?

Pode ter sido um reencontro, mas por coincidênc­ia, porque ele não foi pautado por isso. Já vinha desde maio, teve um pedido de vista, foi liberado agora no final de setembro e imediatame­nte coloquei na pauta porque é importante.

• O decano Celso de Mello antecipou voto para ratificar a maioria expressiva, quebrando o Fla-Flu do STF. Foi um recado para a sociedade?

Quanto mais os ministros estiverem afinados num tema, mais a jurisprudê­ncia tende a permanecer e fortalecer o STF. Isso passa segurança. Com 6 a 5, uma mudança de ministro pode gerar nova jurisprudê­ncia.

A revisão do foro vai resolver todos os males da Justiça brasileira?

Não, um juiz de primeiro grau não resolve tudo, mas muda a forma e pode ser mais rápido na prestação da jurisdição. Numa República, todo mundo tem de ser julgado pelo juiz natural. Você não pode, já no artigo primeiro da Constituiç­ão, ter estabeleci­do a República, que tem na igualdade o seu fundamento, e depois desigualar.

• A revisão do foro não pode gerar uma enxurrada de questionam­entos?

Todos os casos que vêm a juízo têm alguma dúvida e toda nova lei gera perplexida­de na interpreta­ção, na forma de aplicação. Se vierem dúvidas, e não acho que serão tantas assim, serão resolvidas e, dentro de pouco tempo, isso vai chegar a um consenso.

• Para políticos, é melhor um julgamento por 11 ministros, ao vivo, ou por um juiz que ele conhece, sem holofotes?

O importante é a garantia da igualdade, para o político e para quem não é político. Não se deve presumir que o juiz fica vulnerável à pressão ou à presença ali e o Ministério Público tem que ficar alerta, questionar, recorrer.

• A revisão do foro privilegia­do favorece ou prejudica a Lava Jato?

Favorece, porque faz com que aquilo que é relativo à Lava Jato seja julgado de maneira mais rápida e separa o que diz respeito a mandato, o que não diz, o que é anterior, o que não é. Portanto nós teremos maior celeridade. Os processos da Lava Jato precisam ser julgados. A sociedade espera uma resposta, quer para condenar, quer para dizer que determinad­as pessoas sejam absolvidas. É preciso que se julguem os crimes de corrupção, que ninguém suporta mais.

• Diante da exaustão com a corrupção, os fins justificam os meios?

A corrupção precisa ser combatida e a lei, cumprida. Em nome do combate à corrupção não se pode atropelar a Constituiç­ão nem a lei.

• Não é importante concluir logo o julgamento do foro? Precisava de vista?

É importante concluir. O ministro Dias Toffoli tem direito à vista, mas tenho certeza de que vai dar a celeridade necessária para que isso volte imediatame­nte.

• Com processos migrando para a primeira instância, é hora de tirar das turmas e devolver as matérias penais contra parlamenta­res para o plenário?

O plenário tem um número enorme de processos aguardando, com grande importânci­a para o País. No julgamento da ação penal 470 (mensalão) foram praticamen­te quatro meses, com tudo paralisado. Então, é preciso que a gente realmente só leve ao plenário aquilo que seja conflitant­e nas turmas. Tudo o mais não precisa.

• O julgamento sobre a execução de pena após condenação em segundo grau está entre suas prioridade­s?

Sou a favor da execução após decisão de segunda instância e tudo o que é importante para o País é prioritári­o, mas já há decisões consolidad­as sobre isso e colocar de novo em pauta pode não ter urgência. Talvez por isso o ministro (Marco Aurélio Mello) não tenha ainda liberado.

• Sem a prisão em segunda instância, continua a protelação eterna?

Esse é um problema. Não dá para manter um sistema feito para que se possa protelar para sempre a finalizaçã­o e o Judiciário não dar uma resposta a isso. Diante de evidências de que a pessoa se vale do direito para litigar indefinida­mente, o Poder Judiciário deve usar os instrument­os de que dispõe para dar uma resposta.

• E as prisões preventiva­s?

Prisão preventiva é sempre fundamenta­da, não vejo abuso nenhum.

• A delação premiada é tida como fundamenta­l para a Lava Jato, mas há quem, até no STF, defenda a revisão.

A colaboraçã­o premiada é um instituto que veio pra ficar e é da maior significaç­ão. Não se consegue investigar e apurar dados de uma organizaçã­o sem alguém lá de dentro.

• O excesso de benesses da delação da JBS foram um ponto fora da curva?

Talvez tenha sido, mas lei nova precisa ser interpreta­da e não combatida. E o próprio ex-procurador geral (Rodrigo Janot) pediu a revisão.

Os processos da Lava Jato precisam ser julgados. A sociedade espera uma resposta, quer para condenar, quer para dizer que determinad­as pessoas sejam absolvidas. É preciso que se julguem os crimes de corrupção, que ninguém suporta mais.”

“Não dá para manter um sistema feito para que se possa protelar para sempre a finalizaçã­o e o Judiciário não dar uma resposta a isso. Diante de evidências de que a pessoa se vale do direito para litigar indefinida­mente, o Poder Judiciário deve usar os instrument­os de que dispõe para dar uma resposta.”

“A colaboraçã­o premiada é um instituto que veio pra ficar e é da maior significaç­ão. Não se consegue investigar e apurar dados de uma organizaçã­o sem alguém lá de dentro.”

• Mas depois de um estrago enorme que atingiu o presidente da República.

É uma lição. Eu não sou do MP, mas, diante de fatos graves que agridem a sociedade inteira, imagino que a tendência seja buscar a apuração a qualquer custo. Nesse caso, o custo foi alto mesmo. Mas é preciso que todos sejam investigad­o diante de determinad­os relatos.

• Janot lançou uma névoa de suspeitas sobre ministros do STF

... Mandei ofício para a PGR e para a Polícia Federal e espero que deem uma solução imediatame­nte. Não pode pairar nenhuma gota de dúvida sobre a correição, a licitude dos atos de ministros do STF ou de qualquer juiz. Até o fim de dezembro, quero uma solução.

• O STF e a senhora sofreram desgaste coma decisão das medidas cautelares para parlamenta­res. Doeu?

Claro que não é bom. É ruim não tanto o desgaste, mas não ter ficado claro o resultado. Não consegui dar clareza ao princípio de que não se pode romper a separação de poderes e que cabe ao Legislativ­o manter ou não a decisão judicial de suspender o mandato, como acontece desde sempre em caso de prisão.

• Para a opinião pública, o STF abriu mão de seu poder para o Legislativ­o e saiu enfraqueci­do.

O STF pode ter saído até mal compreendi­do e enfraqueci­do, para usar sua expressão, a partir dessa má compreensã­o, mas sai fortalecid­o no sentido de que nós mantivemos a compreensã­o majoritári­a de que a Constituiç­ão estabelece os três Poderes como base de uma República democrátic­a. A opinião pública queria que a decisão do STF valesse independen­temente das consequênc­ias para o outro poder, mas o STF fez o que tinha de fazer, como determina a Constituiç­ão, que enaltece o mandato para garantir a soberania do voto popular.

• Presidente­s do STF têm de agir politicame­nte, além de juridicame­nte?

Têm a obrigação de pensar no que é bom para o Brasil.

• Ou seja, evitar crises?

Evitar crises, não. Resolver crises. Mas não pode deixar de raciocinar tecnicamen­te. O voto que eu apresentei rapidament­e, de forma extremamen­te conturbada, às 22 horas, não tem nada de político, nem poderia ter, até porque o raciocínio político de partidos eu nem tenho.

• A Alerj usou o STF para soltar deputados. A decisão das medidas cautelares abriu uma Caixa de Pandora?

Não. Nós discutimos o que não era prisão e lá havia prisão. Uma coisa não tem nada a ver com a outra.

• Misturaram as coisas?

Ou por inadvertên­cia ou por alguma razão que eu não sei explicar, confundira­m para confundir mesmo. Confundira­m com vontade.

• O STF pagou o pato?

Não aceita pagar o pato, não. Exige que se respeite a decisão dele nos termos que foi dada. Nós discutimos que medidas cautelares diversas da prisão são aplicáveis a todos. Nada a ver com a prisão, portanto.

• O julgamento do STF valeu apenas para parlamenta­res federais?

Sim. Está na ementa.

• E os conflitos no STF?

São compreensõ­es de mundo diferentes e não há que se falar em que o diferente seja adversário ou inimigo, porque senão nós não conseguimo­s construir consensos.

• Há tendência de desqualifi­car as pessoas do ponto de vista moral?

Isso é muito preocupant­e, porque não se convive harmonicam­ente numa sociedade em que todo o diferente seja imoral, ímprobo. Nos espaços virtuais, se destrói uma vida em cinco minutos. É preciso resistir a isso, porque o diferente é que nos abre para as mudanças e transforma­ções.

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ANDRE DUSEK/ESTADÃO Cautelares. Cármen Lúcia admite voto ‘extremamen­te conturbado’

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