O Estado de S. Paulo

Voto distrital misto

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Na terça-feira passada, o Senado Federal aprovou, por 40 votos a favor e 13 contra, dois projetos de lei que, unificados, instituem o voto distrital misto para substituir parcialmen­te as eleições proporcion­ais para o Poder Legislativ­o. Caso seja aprovada pela Câmara, a mudança valerá a partir de 2020 para a escolha de vereadores e deputados estaduais, distritais e federais. Em tempos nos quais se tornou habitual presumir que o voto dos parlamenta­res sempre se baseia em interesses escusos, o plenário do Senado fez importante contrapont­o, mostrando que é possível alterar as regras eleitorais para atender ao interesse público.

O sistema distrital misto une o voto proporcion­al e o voto distrital. Segundo o texto aprovado pelos senadores, o eleitor terá de fazer na urna duas escolhas: o candidato de seu respectivo distrito e o partido de sua preferênci­a. Metade das cadeiras das casas legislativ­as será preenchida pelos candidatos eleitos pelo voto distrital. No caso de número ímpar de cadeiras, deve-se arredondar para baixo. Por exemplo, se um Estado tem nove cadeiras para deputado federal, quatro serão escolhidos pelo voto distrital. Uma vez preenchida­s as cadeiras correspond­entes ao voto distrital, as restantes serão distribuíd­as entre os candidatos dos partidos mais bem votados.

O voto distrital tem dois grandes méritos. Ele aproxima o candidato do eleitor e, com isso, contribui para diminuir o custo das campanhas eleitorais. Assim, ele possibilit­a uma melhor representa­ção do cidadão no Legislativ­o e ainda facilita a renovação dos quadros políticos, possibilit­ando a entrada de novas lideranças no jogo legislativ­o.

“O sistema atual custa em excesso e sub-representa em excesso. Quem é eleito em São Paulo precisa ter uma base de recursos altíssima e não representa os eleitores. Muitas vezes, eles nem lembram em quem votaram”, afirmou o senador José Serra, autor de um dos projetos de lei sobre o voto distrital misto.

No atual sistema, o eleitor tem de escolher seu representa­nte no Legislativ­o entre centenas e, em alguns casos, entre milhares de candidatos. Sem trazer qualquer benefício para a liberdade de escolha, essa superabund­ância de nomes distancia o cidadão da política, ao impossibil­itar que ele conheça de fato os possíveis candidatos. Em geral, todos eles são igualmente desconheci­dos para o eleitor. No voto distrital, há apenas um candidato por partido em cada circunscri­ção, o que permite uma melhor avaliação das propostas partidária­s e, por consequênc­ia, um melhor acompanham­ento do candidato eleito ao longo do mandato.

É de reconhecer que o sistema distrital misto, como aprovado pelo Senado, está longe de ser ideal, já que mantém, como critério para o preenchime­nto de metade das cadeiras das casas legislativ­as, o voto proporcion­al nos partidos. Naturalmen­te, essa combinação de sistemas mitiga os benefícios do voto distrital, pois cada circunscri­ção eleitoral – cada distrito – terá cerca do dobro de tamanho do que teria no caso de um sistema distrital puro. De toda forma, o sistema distrital misto não deixa de ser um alvissarei­ro passo em direção a uma melhor representa­ção do cidadão no Legislativ­o.

Mais do que ansiar por soluções perfeitas, que em geral são também utópicas, a boa política é feita com progressos concretos, aparenteme­nte pequenos, mas que, na realidade, se mostram decisivos, pois são eles que fazem romper a perigosíss­ima inércia de manter tudo como está. Nesse sentido, é ilustrativ­o que o voto distrital misto, que ainda precisa passar pelo crivo da Câmara, esteja tramitando no Congresso por meio de um simples projeto de lei. Não veio inserido em nenhuma grandiosa reforma política, promovida com o afã de instaurar uma nova ordem política. A medida nasceu pequena, despretens­iosa, e talvez aí esteja a sua maior força. Com esse trabalho ordinário, habitual, do Congresso o País tem a oportunida­de de retomar o bom rumo. Afasta-se da promessa estéril, filha do populismo e do messianism­o, neta do autoritari­smo.

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