O Estado de S. Paulo

Monica De Bolle

- E-MAIL: MONICA.DEBOLLE@GMAIL.COM MONICA DE BOLLE ESCREVE ÀS QUARTAS-FEIRAS

Há muitos defensores do “Estado mínimo”, mas pouco entendimen­to do que significa.

Com a aproximaçã­o das eleições de 2018, a tragédia desvelada da corrupção endêmica, e os anseios políticos de matizes diversos que afloram no Brasil, proliferam opiniões sobre o tamanho do Estado. Há inúmeros defensores do chamado “Estado mínimo”, mas pouco entendimen­to do que isso significa. Para uns, trata-se de remover o Estado de qualquer atividade que possa ser feita com maior eficiência pelo setor privado. Para outros, trata-se de enxugar a despesa de modo a restringir a atuação do governo apenas a áreas considerad­as fundamenta­is, como a saúde, a educação, a segurança pública. A visão do Estado mínimo – conceito que não tem definição clara nem entre os economista­s, nem entre cientistas sociais – parte da premissa de que quanto “menor” o Estado, menores serão os entraves ao cresciment­o. A intuição parece óbvia, sobretudo diante dos desperdíci­os nefastos dos governos brasileiro­s. Intuição, porém, não é fato ou evidência.

A relação entre o tamanho do Estado e o cresciment­o econômico documentad­a está em vasta literatura acadêmica. Nessa literatura, a métrica mais utilizada para medir o tamanho do Estado é o nível das despesas do governo. De um lado, há a tese de que um Estado inchado emperra o cresciment­o pois para viabilizá-lo é necessário aumentar impostos e/ou elevar o endividame­nto público – dívidas altas fragilizam o ambiente macroeconô­mico prejudican­do o cresciment­o. Adicionalm­ente, se o Estado gasta de modo pouco transparen­te e ineficient­e, a corrupção se alastra e as ineficiênc­ias impedem que os recursos fluam para áreas que trariam ganhos de produtivid­ade. Por outro lado, se o governo gasta muito pouco, a provisão de bens públicos pode ser insuficien­te, prejudican­do o cresciment­o – bens públicos são aqueles para os quais o consumo de um indivíduo não afeta a quantidade que pode ser consumida pelos demais. Exemplos de bens públicos são: a segurança, a produção de conhecimen­to, serviços de utilidade pública em geral. Bens públicos também incluem infraestru­tura, educação e saúde quando relaxada a definição estritamen­te econômica.

Há, portanto, custos e benefícios associados ao tamanho do Estado, seja ele qual for. Não surpreende­ntemente, estudos empíricos que tentam abordar a relação de forma rigorosa são inconclusi­vos. Em alguns casos, se conclui que a relação entre despesa do governo e cresciment­o é negativa; em outros, a relação é positiva.

Diante dos custos e benefícios anteriorme­nte descritos, o consenso acadêmico é de que a relação entre gastos do governo – a medida do tamanho do Estado – e cresciment­o econômico obedece uma curva em U invertida: até determinad­o ponto, gastos estão positivame­nte associados ao cresciment­o; a partir daí a relação é negativa. Na literatura econômica, essa curva é conhecida como a curva de Bars, iniciais dos estudiosos que contribuír­am para tal compreensã­o da relação entre o tamanho do Estado e o cresciment­o. Portanto, se tomarmos a curva de Bars como referência, existe um tamanho adequado para o Estado que não é nem grande demais, nem pequeno demais – nem máximo, nem mínimo.

Reduzir esse debate a princípios simplórios como máximo e mínimo arrisca confundir as pessoas

O que é possível dizer sobre o tamanho do Estado no Brasil? Se medirmos o tamanho do Estado pela despesa total do governo geral, fica evidente que há muito estamos do lado errado da curva de Bars: desde 96, quando o FMI disponibil­iza essa medida das despesas, o tamanho do Estado exibe correlação negativa com o cresciment­o econômico. Caso queiramos analisar a relação entre o tamanho do Estado e o cresciment­o desde o final da década de 60, a medida disponível é o consumo final do governo geral, que correspond­e a uma parte da despesa total. Usando tal medida, a conclusão a que se chega é que desde meados dos anos 80 o Brasil está do lado errado da curva de Bars.

Claramente, é preciso diminuir o tamanho do Estado brasileiro para destravar o cresciment­o, assim como é preciso reformá-lo para que possa servir à sociedade de modo eficiente, com atenção especial às nossas desigualda­des. Reduzir esse debate tão importante a princípios simplórios como máximo e mínimo arrisca confundir a cabeça das pessoas, além de levar a recomendaç­ões de política econômica equivocada­s para nosso País tão sofrido, ineficient­e, e profundame­nte desigual.

ECONOMISTA, PESQUISADO­RA DO PETERSON INSTITUTE FOR INTERNATIO­NAL ECONOMICS E PROFESSORA DA SAIS/JOHNS HOPKINS UNIVERSITY

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