O Estado de S. Paulo

O debate da reforma

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Quem defende que o Congresso ainda não deve votar a reforma da Previdênci­a “para que seja possível um debate mais amplo” não deseja qualquer debate.

Sem o amplo debate dos assuntos relevantes para a sociedade, não há democracia possível. Daí decorre a importânci­a da liberdade de imprensa e de expressão. Uma das condições para a existência de um Estado Democrátic­o de Direito é a livre circulação de ideias, muito especialme­nte quando está em jogo o futuro da Nação.

Faz, portanto, todo o sentido argumentar que uma reforma do sistema previdenci­ário, como é a Proposta de Emenda à Constituiç­ão (PEC) 287/2016, precisa, antes de o Congresso votá-la, passar por amplo escrutínio público, dando a oportunida­de para que sejam debatidos todos os argumentos e as avaliações sobre a proposta em pauta. Seria pouco afeita ao espírito democrátic­o, por exemplo, a aprovação de uma reforma previdenci­ária da noite para o dia, que pegasse a população de supetão.

Mas justamente porque são necessária­s as discussões sobre a reforma da Previdênci­a é que é antidemocr­ático ignorar o debate existente, como se nada estivesse sendo discutido há tantos meses. Fingir que não tem havido uma ampla discussão dos mais variados argumentos sobre a reforma da Previdênci­a e ficar continuame­nte pleiteando maiores debates é uma forma nada sutil de negar relevância ao debate público – o que é uma atitude profundame­nte antidemocr­ática.

Depois de tudo o que foi discutido nos últimos meses, quem continua defendendo que o Congresso ainda não deve votar a reforma da Previdênci­a “para que seja possível um debate mais amplo pela sociedade” não deseja qualquer debate. Na realidade, quer impor sua posição, pois a rigor está dizendo que só reconhecer­á a existência de debate se a sua posição sair vencedora. Ora, isso é autoritari­smo de quem deseja ganhar no grito ou na pressão, mas não está disposto a expor-se ao risco inerente a todo o debate público: ver a sua posição sair vencida.

Houve amplo debate sobre o déficit da Previdênci­a, as suas causas e os seus efeitos. É ponto pacífico que o Estado brasileiro não tem condições de arcar com o atual déficit, superior a R$ 300 bilhões por ano e que tende a crescer. É um rombo estrutural, reflexo de imprevidên­cia e das mudanças demográfic­as, com o aumento da expectativ­a de vida e a diminuição da taxa de natalidade.

Além do rombo gerado nas contas públicas, foi muito debatida a discrepânc­ia entre os regimes previdenci­ários do servidor público e do trabalhado­r da iniciativa privada. O funcionali­smo público usufrui de privilégio­s completame­nte inacessíve­is a quem labuta na iniciativa privada. Adiar a reforma da Previdênci­a é ser cúmplice de uma evidente injustiça.

Que ninguém se iluda. O “debate” que alguns pleiteiam é a mais abjeta manobra para a perpetuaçã­o de regalias. Foi o que se viu numa minuta de nota técnica do PSDB, divulgada pelo jornal O Globo, onde são feitas concessões ao fisiologis­mo. Em sentido contrário ao que foi aprovado recentemen­te pela Comissão Executiva Nacional do partido, o documento apresenta algumas condições para o apoio à PEC 287/2016: a concessão de benefício integral por invalidez, seja qual for o local onde o dano tenha ocorrido; a permissão para acumular benefícios (pensão e aposentado­ria); e a criação de uma regra de transição especial para os funcionári­os públicos que ingressara­m no serviço público até 2003. Querem continuar contando com a aposentado­ria integral, no valor do último salário recebido, com os mesmos ajustes dos servidores da ativa, e tudo isso sem cumprir os requisitos de idade mínima propostos pela reforma: 62 anos para as mulheres e 65 anos para os homens.

O que se diz constar da tal nota técnica – se é que existe – é uma manifestaç­ão de desprezo pelo interesse público, é a consagraçã­o de privilégio­s para determinad­as categorias. É de esperar que o disparatad­o documento seja prontament­e rejeitado pelas lideranças tucanas. Em outros tempos, o apoio às três concessões solicitada­s seria prova cabal de incompatib­ilidade com o ideário do PSDB. Já nos tempos atuais tudo parece possível, até essa perniciosa frouxidão. Até mesmo o pleito pelo debate público – algo tão íntimo à democracia – é manipulado para servir ao compadrio e à manutenção de privilégio­s. Para combater a proliferaç­ão dessas manobras, o remédio é o Congresso votar urgente e corajosame­nte a PEC 287/2016.

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