Inflação sairá do coma em 2018?
Entre os acontecimentos que mais marcaram a economia brasileira em 2017 foi uma surpresa inflacionária tão grande a ponto de os analistas cogitarem a possibilidade de o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) fechar este ano abaixo do piso da meta oficial de inflação do Banco Central, de 3%.
É bom lembrar que, ao longo de quase todo este ano, os resultados mensais do IPCA ficaram abaixo das estimativas do mercado por duas principais razões: um choque favorável dos preços de alimentos e a perda de fôlego de outros preços em razão da recessão.
No acumulado de 12 meses até outubro, os preços dos alimentos registravam queda de 2,14% e os da alimentação no domicílio um declínio de 5,06%. Em 2016, os alimentos tiveram uma inflação de 8,62%, com os preços da alimentação no domicílio registrando alta de 9,36%.
Já os preços livres tiveram alta de 1,47% em 12 meses até outubro, numa forte desaceleração comparada com os anos de 2016 (+6,54%) e de 2015 (+8,50%).
Não é de se admirar que, na primeira pesquisa Focus publicada pelo BC neste ano, os analistas projetavam uma alta de 4,87% para o IPCA em 2017. No mais recente levantamento, essa expectativa caiu para 3,06%.
Para 2018, a projeção dos analistas é de uma alta de 4,02% para o IPCA, ainda bem abaixo da meta de 4,5% do BC.
Alguns analistas destacam a grande ociosidade na economia, o que pode manter a inflação baixa em 2018. Outros, porém, ainda têm algumas dúvidas.
E se a economia acelerar mais do que o previsto, estimulada pelo agressivo ciclo de corte de juros do BC?
E se as incertezas das eleições presidenciais levarem a uma alta mais forte do dólar?
E se os níveis dos reservatórios das usinas hidrelétricas permanecerem baixo, gerando maior pressão sobre as tarifas de energia elétrica?
Os preços administrados são, aliás, uma fonte de preocupação diante da pressão da conta de luz. Na última pesquisa Focus, os analistas projetam uma alta de 4,90% para esses preços em 2018.
“Existe um risco de esse valor estar subestimado, mas ainda é muito cedo para termos um grau de certeza maior sobre as condições climáticas para 2018, dado que o período chuvoso começa agora e só termina em abril”, diz a economista-chefe da ARX Investimentos, Solange Srour Chachamovitz. “De qualquer forma, a maior parte do mercado trabalha com um cenário de bandeira vermelha em nível 2 por quase todo o ano que vem.”
Na opinião dela, a inflação pode surpreender mais pelo canal do câmbio do que pelos demais canais. “Eu acredito que os efeitos da inércia da inflação baixa podem ser mais poderosos do que o mercado coloca nas suas contas para o ano que vem”, ressalta Solange. “Vamos ver como a economia se comporta com aumento real de quase zero para o salário mínimo, com o desemprego altíssimo e com uma política fiscal neutra. Nunca tivemos tamanha desinflação sem a ajuda razoável do câmbio e com o hiato tão aberto como temos hoje.” Solange projeta um IPCA de 3,9% em 2018.
Já a economista e sócia da Tendências Consultoria Integrada, Alessandra Ribeiro, observa que o grupo alimentação é um risco que pode surpreender para baixo ou para cima. “Estamos trabalhando com certa recomposição desses preços, sendo que o grupo deve mostrar alta de 3,8% em 2018, após provável queda de 2,3% neste ano”, diz.
Do lado altista, Alessandra diz que os preços administrados são, de fato, um risco por causa de energia elétrica principalmente, mas também de combustíveis. “Nosso cenário já contempla alta de 7,0% para gasolina em 2018”, afirma.
Ela projeta uma alta de 4,1% do IPCA em 2018. “Difícil avaliar em quanto pode surpreender”, diz ela. “Na nossa avaliação, o grosso da desinflação de preços livres (como alimentação) já ficou neste ano. Estes preços já devem andar mais de lado em 2018. O risco fica mais concentrado em administrados.”
Com o mercado estimando um IPCA bem abaixo da meta do BC em 2018, o risco é algo sair do roteiro traçado pelos analistas. Não seria uma surpresa se, ao fim do próximo ano, o mercado ter subestimado a alta da inflação.
Os preços administrados são fonte de preocupação diante da pressão da conta de luz