O Estado de S. Paulo

Incentivo a montadoras gera embate no governo

Secretário do Mdic diz que equipe foi surpreendi­da com declaração da Fazenda que põe em dúvida política de incentivos para montadoras

- Lu Aiko Otta Lorenna Rodrigues / BRASÍLIA CARLA ARAÚJO E FRANCISCO CARLOS DE ASSIS

Os embates entre a Fazenda e o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Mdic) na formulação do novo programa automotivo brasileiro, o Rota 2030, subiram de tom ontem. O secretário de Desenvolvi­mento e Competitiv­idade Industrial, Igor Calvet, saiu em defesa do programa, reagindo a críticas feitas pelo chefe da Assessoria Especial de Reformas Microeconô­micas do Ministério da Fazenda, João Manoel Pinho de Mello.

Em evento no Insper, esta semana, Pinho colocou em dúvida a necessidad­e de haver uma política de incentivos às montadoras no País. “No que se refere ao Inovar Auto e possivelme­nte à política que o substituir­á, eu acho melhor não fazermos o substituto sem que tenhamos uma ideia precisa do que a gente quer com isso e como transitar.”

O Rota 2030 é o substituto do Inovar-Auto, que está em vigor desde 2013. O novo programa deve conceder descontos em impostos para montadoras no valor de R$ 1,5 bilhão ao ano.

Segundo Calvet, a declaração de Pinho pegou de surpresa toda a equipe técnica, que vem discutindo o Rota 2030 em reuniões com a Fazenda e a Casa Civil. “Nós costumamos seguir as orientaçõe­s do presidente da República”, afirmou Calvet ao Estadão/Broadcast. “Existe uma cadeia de comando no governo.” Era uma referência à promessa feita pelo presidente Michel Temer no dia 14 de novembro, quando ele recebeu representa­ntes das montadoras e informou que uma política seria definida até o final deste ano.

O atual programa do setor, o Inovar Auto, acaba no dia 31 de dezembro próximo e as empresas querem saber como serão tributadas no ano que vem. Essa indefiniçã­o e o impacto dela sobre as decisões de investimen­to foram discutidas, ontem, pelo integrante do conselho da BMW AG Oliver Zipse e o CEO da empresa no Brasil, Helder Boavida, numa reunião com Temer. Segundo assessores, eles disseram que sem uma definição da política de incentivos não há como planejar investimen­tos.

É o mesmo recado dado pelo presidente da Mercedes-Benz do Brasil e CEO para América Latina, Phillip Schiemer . Segundo o executivo da montadora, se houvesse uma abertura total do mercado quase todas as indústrias fechariam.

Aos executivos da BMW, Temer reafirmou que a política será definida até o final do ano. Ele contou aos executivos que conversou anteontem com o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e o secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, e reiterou essa orientação. Há especial preocupaçã­o em garantir que a nova política, batizada de Rota 2030, não contenha mecanismos que possam ser condenados pela Organizaçã­o Mundial do Comércio (OMC), tal como aconteceu com o Inovar Auto. Os dois executivos estiveram ontem também com os ministros da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, Marcos Pereira, e com Meirelles. Segundo Calvet, o Rota 2030 não contém dispositiv­os contrários à OMC.

Impensável. Para o secretário do Mdic, seria “impensável” o Brasil não ter uma política para o setor automobilí­stico. “Seríamos o primeiro caso de país em desenvolvi­mento a não ter política automotiva.” Ele reconheceu, porém, que as divergênci­as entre as duas equipes têm como pano de fundo questionam­entos da Fazenda sobre a necessidad­e de haver indústria automobilí­stica no País e se ela precisa de uma política própria.

“A opinião dele (Pinho) reflete a posição de uma pessoa que não tem conhecimen­to de inovação e de política industrial”, afirmou o presidente da Agência Brasileira de Desenvolvi­mento Industrial (ABDI), Luiz Augusto Souza Ferreira. “Quem tem condição de dizer a necessidad­e ou não de uma política industrial é o Mdic.”

As duas pastas divergem, por exemplo, sobre como incentivar a pesquisa e o desenvolvi­mento. Para a Fazenda, esses incentivos já existem na chamada Lei do Bem, que permite deduzir do Imposto de Renda e da Contribuiç­ão Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) os gastos com esses programas. O Mdic, por sua vez, defende um sistema de créditos tributário­s para compensar essas despesas.

Na base da resistênci­a da Fazenda ao Rota 2030 está a renúncia fiscal do programa. Com dificuldad­es de aprovar medidas de aumento de receitas e cortes de despesas no Congresso, a Fazenda é contra incentivos fiscais. /

“A opinião dele (Pinho) reflete a posição de uma pessoa que não tem conhecimen­to de inovação e de política industrial.” Luiz Augusto Souza Ferreira PRESIDENTE DA ABDI

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JOSE PATRICIO/ESTADÃO - 19/3/2015 Foco. Discussão no governo é sobre a necessidad­e de montadoras terem incentivos fiscais

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