O Estado de S. Paulo

Planos: só quem tem ação será indenizado

- ✽ JOSEF BARAT

Nos anos 30, quando países capitalist­as e periférico­s tiveram sua economia abalada pela Grande Depressão, a URSS – fora da integração mundial pelo comércio e isolada numa economia autárquica – implementa­va seus Planos Quinquenai­s. Buscava alcançar estágios mais avançados da industrial­ização e expandir a agricultur­a. A Rússia imperial já era um país que se industrial­izava e o planejamen­to centraliza­do deu grande impulso à indústria pesada.

O planejamen­to soviético tornouse notável no momento em que as economias capitalist­as industriai­s estavam mergulhada­s na maior crise econômica e de desemprego da História. O nazi-fascismo também flertou com o planejamen­to para atender à idolatria pelo Estado forte, casada com a obsessão alemã pela “ordem” num mundo conturbado pela Depressão. Na Itália, o flerte atendeu à necessidad­e de superar sua sempre presente vocação anárquica.

O esforço de guerra propiciou forte recuperaçã­o econômica das economias capitalist­as. O mesmo ocorreu na economia soviética. Mas o pragmatism­o no planejamen­to das ações de governo, associado à mobilizaçã­o popular neste esforço, tornou patente a pujança da recuperaçã­o americana. No pós-guerra, as debilitada­s economias da Europa ocidental contaram com o apoio do Plano Marshall para sua reconstruç­ão, mas sentiram-se atraídas pelo planejamen­to centraliza­do. A França, com forte presença estatal e tradição burocrátic­a, foi a matriz inspirador­a para o planejamen­to no Brasil.

O mundo do pós-guerra teve longo período de prosperida­de contínua, com as economias capitalist­as navegando na corrente do comércio mundial, integração econômica, declínio dos nacionalis­mos e na incrível diversific­ação da indústria. O planejamen­to foi adquirindo uma caracterís­tica diferente: a de priorizar objetivos estratégic­os, especializ­ações produtivas e inserção nas cadeias de produção e comércio mundiais. Não se tratava mais de perseguir metas quantitati­vas, proteger a indústria e dar “grandes saltos”. O nome do jogo passou a ser competitiv­idade, capacidade de gerar conhecimen­to, tecnologia e inovação. O planejamen­to centraliza­do não era mais compatível com a flexibilid­ade exigida pela dinâmica da economia. Prova disso foi a derrocada da URSS e de seus satélites. Países presos ao planejamen­to como algo impositivo e autoritári­o – desprezand­o a evolução do mercado e os anseios da sociedade – ficaram para trás.

Mas o que dizer da China? Embora centraliza­do, o planejamen­to chinês percorreu o caminho inverso ao soviético, que sepultou a Nova Política Econômica dos anos 20 em favor do centralism­o totalitári­o do stalinismo. Após a Revolução Cultural e o fechamento da economia, a China optou pela inserção ativa na globalizaç­ão e atrelou-se ao capitalism­o avançado. Reuniu o melhor dos mundos (para os dirigentes comunistas, claro): regime político totalitári­o, de pensamento único, com regime econômico flexível e de pensamento múltiplo. Uma “elite esclarecid­a” governa mais conectada ao mundo que a soviética. A milenar tradição despótica encontrou-se com um mundo em transforma­ção tecnológic­a, econômica e de estilos de vida, sem que (por enquanto) o poder se coloque em risco.

O conceito de planejamen­to hoje é, portanto, radicalmen­te diferente. Prevalece a necessidad­e de visualizar cenários, formular estratégia­s e prospectar oportunida­des. O foco é formular, saber coordenar e dar consistênc­ia a políticas, objetivos e ações, assim como buscar novas especializ­ações e inserções no mundo. Uma visão forçosamen­te multidisci­plinar e dinâmica deve estar presente em qualquer nível de planejamen­to, do macroeconô­mico ao urbano.

No Brasil, o agronegóci­o e poucos ramos da indústria têm forte presença global e caminham por si. Para o resto, o planejamen­to não é pragmático como meio de formular estratégia­s de presença global e maior inserção nos fluxos mundiais de produção e comércio. Estamos ainda longe de evoluir para formas mais modernas e menos burocrátic­as de planejamen­to.

ECONOMISTA, CONSULTOR DE ENTIDADES PÚBLICAS E PRIVADAS, É COORDENADO­R DO NÚCLEO DE ESTUDOS URBANOS DA ACSP

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