O Estado de S. Paulo

Dívida pública, risco crescente

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País não consegue cobrir sequer parte dos juros vencidos.

Será apertado e cada centavo poderá fazer diferença, mas o governo federal mantém a promessa de fechar o ano com um déficit primário igual ou inferior a R$ 159 bilhões. O mesmo limite valerá para 2018, ano de eleições e de enormes pressões por aumento de gastos. Os últimos números deixam claro o aperto. O buraco nas contas do governo central chegou a R$ 103,24 bilhões neste ano, até outubro, pelas contas do Tesouro Nacional. O quadro é um pouco melhor pelos cálculos do Banco Central (BC), com um saldo negativo de R$ 95,91 bilhões em dez meses. Há uma diferença de critérios. O relatório do Tesouro mostra a diferença entre receitas e despesas. O do BC aponta a necessidad­e de financiame­nto. Nos dois casos, os valores indicados até aqui correspond­em a resultados primários, calculados sem os juros.

Nenhum dos dois balanços, o do Tesouro e o do BC, vale uma celebração, e ambos evidenciam, mais uma vez, o desastre da Previdênci­a. De janeiro a outubro o déficit previdenci­ário do governo central chegou a R$ 155,22 bilhões, de acordo com o relatório do Tesouro. O resultado geral só foi pouco melhor porque o próprio Tesouro teve um superávit de R$ 52,59 bilhões em dez meses.

Três fatores contribuír­am para esse resultado parcialmen­te positivo: a contenção dos gastos, a caça a receitas extraordin­árias e, finalmente, a recuperaçã­o dos negócios e do emprego, com efeitos na arrecadaçã­o de impostos e contribuiç­ões. Até a receita previdenci­ária aumentou, com a melhora do emprego formal e da massa real de rendimento­s, mas nem isso impediu a expansão do já enorme desajuste.

Os bons efeitos da recuperaçã­o econômica ficam mais visíveis, na comparação entre os números de outubro deste ano e do ano passado quando se eliminam os fatores atípicos, como a arrecadaçã­o proporcion­ada pelos programas de reescalona­mento de dívidas fiscais, mais conhecidos como Refis. A reativação econômica e a expansão do emprego deverão continuar favorecend­o a arrecadaçã­o em 2018. Segundo projeções do mercado, o Produto Interno Bruto (PIB) deve crescer 2,5% no próximo ano.

Se tudo correr de forma razoavelme­nte satisfatór­ia, as contas do governo central estarão em condições pouco melhores quando o próximo presidente receber a faixa, no começo de 2019. Mas a dívida pública ainda estará aumentando e será preciso muito esforço, por alguns anos, para conter sua expansão e reduzir seu peso na economia nacional. Por isso o governo deve insistir na aprovação, no menor prazo possível, da reforma da Previdênci­a. Quanto mais cedo se implante o novo regime previdenci­ário, mais próxima estará a estabiliza­ção das contas públicas, fator fundamenta­l para a sustentaçã­o do cresciment­o.

Um quadro mais amplo, com inclusão dos três níveis de governo e de estatais (sem Petrobrás e Eletrobrás), é apresentad­o no relatório mensal do BC. Pelo critério do BC, o setor público acumulou déficit primário de R$ 77,35 bilhões de janeiro a outubro, com o saldo negativo do governo central parcialmen­te compensado pelo superávit dos governos estaduais e municipais. Em 12 meses as contas do conjunto foram fechadas com buraco de R$ 187,23 bilhões, 2,88% do PIB, com aumento de 0,55 ponto porcentual em relação ao valor acumulado até setembro.

Mas o desafio fica mais claro quando se consideram os dados nominais (com inclusão dos juros). Em 12 meses o déficit do setor público atingiu R$ 601,39 bilhões, 9,25% do PIB, um dos piores desempenho­s fiscais do mundo. Sem excedente para cobrir sequer parte dos juros vencidos, o endividame­nto público aumenta. A dívida do governo geral (na maior parte do governo central) chegou em outubro a R$ 4,84 trilhões, 74,4% do PIB, recorde na série iniciada em 2006. A proporção crescerá nos próximos anos, até surgir superávit primário suficiente para cobrir os custos financeiro­s. Sem ajuste, o resultado será insolvênci­a, rebaixamen­to maior da nota brasileira e crise profunda. O desastre será evitado se houver em todos os Poderes, em Brasília, bom senso e responsabi­lidade, artigos escassos atualmente.

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