O Estado de S. Paulo

Para que servem os partidos?

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Areforma da Previdênci­a é, de fato, um tema bastante impopular. É justamente nessas horas, portanto, que os partidos precisam dizer por que existem.

Nenhum dos partidos da chamada “base aliada” do governo fechou questão sobre a reforma da Previdênci­a. No linguajar da política, um partido fecha questão quando sua executiva nacional determina que todos os parlamenta­res da agremiação votem de uma determinad­a maneira sobre tema em discussão no Congresso – e uma eventual dissidênci­a é tratada com rigor, podendo resultar até em expulsão. No caso da Previdênci­a, nem mesmo o PMDB, partido do presidente Michel Temer e que tem a maior bancada da Câmara, com 60 deputados, decidiu obrigar seus filiados a votar a favor da reforma, embora tenha recomendad­o a aprovação.

Isso significa que os parlamenta­res poderão votar como bem entenderem, cada um segundo seus interesses pessoais, o que obviamente dificultar­á ainda mais a tarefa do governo de obter os votos necessário­s para a reforma. Em lugar de negociar com os partidos os termos da proposta a ser votada, será necessário atender um a um os deputados, muitos dos quais não escondem sua ânsia de obter alguma vantagem pessoal, seja na forma de verbas, seja na obtenção de algum cargo público para seus apaniguado­s.

Muito além do problema da Previdênci­a, essa situação retrata com clareza a má qualidade do sistema partidário em vigor no Brasil. O eleitor há de se perguntar de que vale escolher este ou aquele partido para defender seus interesses no Congresso se essas agremiaçõe­s não conseguem fazer com que seus parlamenta­res votem de maneira uniforme, segundo os princípios estabeleci­dos em seu programa.

Não há democracia sem partidos políticos. Essa relação é tão natural que a Lei 9.096, de 1995, trata os partidos como responsáve­is por assegurar a “autenticid­ade do sistema representa­tivo”, e o parágrafo 3.º do artigo 14 da Constituiç­ão determina que só ganha condições de elegibilid­ade para cargo político o cidadão que, entre outras obrigações, possuir alguma “filiação partidária”. Essas determinaç­ões legais não existem por acaso.

São as organizaçõ­es partidária­s que transforma­m em bandeiras políticas as diversas aspirações do conjunto da sociedade, lutando para realizá-las. Um regime sem partidos fortes e bem estruturad­os está fadado a ser capturado por um grupo ou facção, ditatorial por definição, ou então corre o risco de submergir na anarquia dos interesses individuai­s dos políticos, cada um tornando-se partido de si mesmo. De uma forma ou de outra, o resultado é o apartament­o dos cidadãos da vida pública, quer por imposição autoritári­a dos donos do poder, quer por descrédito generaliza­do na capacidade dos políticos de superar os estreitos horizontes das conveniênc­ias paroquiais.

O caso do PMDB é particular­mente grave. Nem é o caso de esperar que um partido tão multifacet­ado como esse demonstre uma unidade que nunca teve, mas é espantoso que a direção peemedebis­ta trate com naturalida­de o fato de que vários de seus deputados devem negar respaldo a seu principal correligio­nário, o presidente Temer, em assunto de vital importânci­a para o País. O mesmo PMDB que, há dois anos, dizia que a reforma da Previdênci­a “não é uma escolha, mas um ditame da evolução demográfic­a e do limite de impostos que a sociedade concorda em pagar”, conforme se lê no manifesto Ponte para o Futuro, agora se limita a declarar que “não será problema para o governo”.

Diante da atitude peemedebis­ta, não admira que os demais partidos governista­s também não se comprometa­m com a reforma. “Não tem como fechar questão num tema desses”, afirmou o líder do PR na Câmara, José Rocha (BA), que não consegue garantir os votos de nem mesmo 15 dos 37 deputados da legenda. “Se fechar, vai machucar os três ou quatro que devem votar contra”, disse o vice-presidente nacional do PTB, deputado Benito Gama.

A reforma da Previdênci­a é, de fato, um tema bastante impopular, e seria ingênuo acreditar que os parlamenta­res não levassem em conta esse fator. É justamente nessas horas, portanto, que os partidos precisam dizer por que existem – e não ceder aos interesses de quem só está preocupado com a próxima eleição.

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