O Estado de S. Paulo

Retrocesso para consumidor­es

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AAssemblei­a Legislativ­a do Estado de São Paulo (Alesp) aprovou há dias o Projeto de Lei (PL) 874/2016, encaminhad­o àquela Casa Legislativ­a pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB) em dezembro do ano passado. O projeto “institui normas de proteção ao consumidor, associadas ao direito à informação, e altera a Lei n.º 15.659, de 9 de janeiro de 2015, que regulament­a o sistema de inclusão e exclusão dos nomes dos consumidor­es nos cadastros de proteção ao crédito”.

É este segundo aspecto do projeto de lei, vale dizer, a mudança do trâmite para a negativaçã­o do cadastro dos consumidor­es junto dos órgãos de proteção ao crédito, que constitui um grave retrocesso na proteção dos direitos dos consumidor­es, principalm­ente contra os erros e abusos praticados por empresas credoras.

O principal objetivo do PL 874/2016 é o fim da obrigatori­edade de comunicaçã­o ao consumidor, por meio de carta registrada com Aviso de Recebiment­o (AR) entregue com antecedênc­ia de dez dias, da inclusão de seus dados nos cadastros negativos das empresas de proteção ao crédito.

A Lei n.º 15.659/2015 é peremptóri­a ao determinar que os consumidor­es sejam comunicado­s por meio de carta registrada com Aviso de Recebiment­o antes de terem os seus dados enviados para organizaçõ­es como o SPC Boa Vista e a Serasa Experian.

A norma que agora se pretende revogar não é um ônus burocrátic­o às relações de consumo ou tampouco um instrument­o de desequilíb­rio em favor dos devedores, onerando para os credores o processo de cobrança das dívidas que têm o direito de receber. Trata-se, na verdade, da adequação de uma lei estadual ao princípio da boa-fé e ao direito de informação, ambos consagrado­s pelo Código de Defesa do Consumidor.

Além disso, a comunicaçã­o prévia e confirmada por AR é um importante fator na recuperaçã­o das dívidas. De acordo com os dados da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), cerca de 20% das dívidas são pagas ou renegociad­as no prazo de dez dias contados do recebiment­o da carta registrada pelos devedores.

Evidenteme­nte, a aprovação do PL 874/2016, ocorrida no dia 21 deste mês, por 53 votos a favor e 12 contrários, recebeu amplo apoio das associaçõe­s comerciais e das empresas responsáve­is pelo gerenciame­nto dos bancos de dados contendo as informaçõe­s creditícia­s dos consumidor­es. As organizaçõ­es alegam que o custo de envio das cartas registrada­s com AR – entre R$ 10 e R$ 12 por correspond­ência – “inviabiliz­a o processo de negativaçã­o dos consumidor­es”.

Ora, se o projeto de lei dependia deste tipo de argumento em sua defesa, não deveria ter sido aprovado. É sabido que os custos envolvidos no processo de cobrança de dívidas são quase integralme­nte repassados aos consumidor­es, de uma forma ou de outra. E não apenas os custos postais, mas também as despesas cartorária­s e as despesas com empresas especializ­adas em cobrança, além de honorários advocatíci­os e custas processuai­s, no caso das cobranças que não são resolvidas no âmbito administra­tivo.

Acrescente-se ainda o fato de que a Lei n.º 15.659/2015 já não é cumprida por muitas empresas e órgãos de proteção ao crédito. Basta uma consulta aos arquivos dos Juizados Especiais Cíveis do Estado de São Paulo para ver a quantidade de processos ajuizados contra empresas que incluíram indevidame­nte dados de consumidor­es nos cadastros de proteção ao crédito ou não enviaram a eles a comunicaçã­o prévia por meio de carta registrada com AR.

Sem a devida comunicaçã­o escrita e registrada, milhares de consumidor­es só tomarão conhecimen­to do risco que correm de ter os seus nomes incluídos em cadastros negativos quando for tarde demais e os prejuízos, financeiro­s e morais, já tiverem sido causados.

A comunicaçã­o prévia por meio de carta simples é um retrocesso e deve ser revista não só para a proteção dos consumidor­es, mas para o bom desenvolvi­mento das relações comerciais e a valorizaçã­o de seus agentes de boa-fé.

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