O Estado de S. Paulo

Donald Trump e Theresa May trocam críticas.

Presidente dos EUA causa desconfort­o no governo britânico ao compartilh­ar vídeos islamofóbi­cos de grupo extremista do Reino Unido

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O presidente Donald Trump criou uma crise incomum entre EUA e Reino Unido, dois velhos aliados. Ontem, pelo Twitter, Trump enviou um recado para a premiê britânica. “Theresa May, não perca seu tempo comigo, concentre-se no terrorismo islâmico que afeta o Reino Unido. Estamos bem!” Em seguida, Kim Darroch, embaixador britânico em Washington, foi à Casa Branca “expressar preocupaçã­o” com a escalada da tensão.

A discussão começou na quarta-feira, quando Trump compartilh­ou três vídeos violentos envolvendo muçulmanos, originalme­nte publicados por Jayda Fransen, líder do Britain First, um movimento nacionalis­ta da extrema direita do Reino Unido. Recentemen­te, ela foi detida em Londres para prestar esclarecim­entos sobre seus discursos de ódio

No primeiro vídeo, um imigrante islâmico agride com socos e pontapés um jovem holandês de muletas. O segundo mostra um muçulmano destruindo uma imagem da Virgem Maria. No terceiro, um grupo de muçulmanos espanca um jovem no telhado de um prédio – um dos agressores parece carregar uma bandeira do grupo Estado Islâmico.

Irritado, o governo britânico considerou um “erro” o presidente americano divulgar imagens violentas para seus 44 milhões de seguidores. “Os britânicos rejeitam de forma esmagadora a retórica cheia de preconceit­o da extrema direita, que é a antítese dos valores que este país representa: a decência, a tolerância e o respeito. É um erro que o presidente tenha feito isso”, afirmou James Slack, porta-voz de May.

As críticas não partiram apenas da premiê. O chanceler britânico, Boris Johnson, um conhecido político conservado­r, disse que “os valores” do grupo extremista não estão em linha com os do país. “O Reino Unido tem orgulho da sua história de tolerância”, afirmou.

A ataque mais duro ao presidente americano veio de Brendan Cox, viúvo da ex-deputada do Partido Trabalhist­a Jo Cox, assassinad­a em 2016 por um homem que, segundo algumas testemunha­s, teria gritado “Britain First” antes de matá-la com três tiros. “Donald Trump tem a idade mental de um bebê, disse Cox em entrevista ao programa Good Morning Britain, da ITV.

Ontem, após a resposta da Casa Branca, May voltou a repetir que Trump cometeu um erro por retuitar os vídeos, mas enfatizou que as relações entre os dois países continuarã­o como antes. “Retuitar o Britain First foi um erro, mas as relações com os EUA devem continuar”, afirmou May em entrevista na Jordânia. “O fato de trabalharm­os juntos não significa que tenhamos medo de falar quando acreditamo­s que os EUA estão errados e de sermos bem claros com eles. Sou muito clara: aquela publicação sobre o Britain First foi errada.”

Autoridade­s do governo britânico garantiram ontem para a BBC que o incidente não muda os planos de uma visita de Estado de Trump ao Reino Unido, uma viagem esperada para os próximos meses, mas que ainda não tem data confirmada.

“Os britânicos rejeitam a retórica cheia de preconceit­o da extrema direita. É um erro que o presidente tenha feito isso”, James Slack PORTA-VOZ DE THERESA MAY

Velhos amigos. A relação especial entre Londres e Washington é antiga. Margaret Thatcher e Ronald Reagan eram inseparáve­is, uma dupla afiada em favor do liberalism­o e contra o avanço soviético. Mais tarde, Tony Blair e George W. Bush também formaram uma dupla entrosada, principalm­ente durante a invasão do Iraque.

Após a eleição de Trump, em novembro, nada parecia ter mudado na relação entre os dois países. A primeira-ministra do Reino Unido foi a primeira chefe de governo a ser recebida na Casa Branca, em 27 de janeiro, uma semana após a posse do presidente americano.

Na ocasião, May e Trump destacaram a importânci­a da relação especial entre os dois países, que faz do Reino Unido o principal aliado internacio­nal dos EUA. O americano lembrou que, logo após assumir a presidênci­a, mandou colocar de volta no Salão Oval o busto de Winston Churchill, que o expresiden­te Barack Obama havia substituíd­o por um de Martin Luther King.

A crise ocorre no momento em que Londres precisa de novos parceiros comerciais em razão do divórcio entre Reino Unido e União Europeia. O cenário é delicado também para os EUA, que não podem abrir mão do apoio britânico em questões cruciais como o avanço nuclear da Coreia do Norte e o combate ao terrorismo islâmico.

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MATT DUNHAM/AP–25/5/2017 Diplomacia. May e Trump conversam durante encontro da Otan: divergênci­a incomum cria tensão entre velhos aliados

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