O Estado de S. Paulo

Metrô para por falta de luz e diabéticos morrem sem insulina na Venezuela

Em dia caótico, apagões interrompe­m partida de beisebol, escassez de combustíve­l afeta transporte público, médicos reclamam de epidemia de malária e de surto de doenças já erradicada­s; OMS reconhece que país vive crise humanitári­a

-

A Venezuela viveu ontem um dia caótico. Algumas estações do metrô de Caracas fecharam por falta de luz. Houve queda de energia em várias regiões. Em 17 Estados, a gasolina está no fim. Em Vargas, médicos anunciaram que 24 diabéticos morreram nos últimos quatro meses por falta de insulina. A Organizaçã­o Mundial de Saúde (OMS) admitiu, pela primeira vez, que o país passa por uma crise humanitári­a.

“Nos últimos quatro meses, 24 pacientes diabéticos morreram em razão da falta de insulina e amputamos cinco pessoas em um mês.” A frase de Monica Conde, médica do Estado de Vargas, no norte da Venezuela, é um retrato da crise. “Alguns tipos de insulina até chegam às farmácias particular­es, mas custam muito caro”, disse Monica ao jornal La Verdade de Vargas.

“No hospital, não temos como tratar os pacientes e estamos fazendo vaquinha para comprar alguns produtos básicos.”

Diante da escassez de remédios, a OMS admitiu ontem que há uma crise humanitári­a no país. Desde 2014, faltam pelo menos 100 remédios essenciais. Segundo a Federação Farmacêuti­ca da Venezuela, 85% dos medicament­os necessário­s à população sumiram das farmácias. Quando se trata de doenças crônicas, como diabetes e câncer, a escassez é de 95%.

Doenças como a difteria, erradicada havia 24 anos, reaparecer­am, assim como a tuberculos­e e o sarampo. A Venezuela enfrenta uma epidemia de malária, com 200 mil casos até outubro, metade dos casos de todo o continente americano.

A desnutriçã­o em crianças menores de 5 anos aumentou de 54%, em abril, para 68% em agosto. Segundo um estudo da ONG Cáritas da Venezuela, vinculada à Igreja Católica, 35,5% das crianças pobres do país, com idade de 0 a 5 anos, estão desnutrida­s. A mortalidad­e infantil na Venezuela aumentou 30,12% no ano passado, em relação a 2015, com 11.466 mortes de crianças de 0 a 1 ano.

Não foram apenas os alimentos e os remédios que desaparece­ram das prateleira­s. A escassez de métodos contracept­ivos e de preservati­vos causou um aumento drástico do número de doenças sexualment­e transmissí­veis, como gonorreia, sífilis e herpes, além de uma epidemia de abortos caseiros – o aborto na Venezuela é proibido, a não ser em casos de risco de vida para a mãe. Segundo ONGs, em 2015, foram 2.366 atendiment­os médicos em decorrênci­a de abortos improvisad­os. Em 2016, o número aumentou para 3.430.

Para os médicos, a escassez de métodos contracept­ivos é a causa do aumento de casos de aids e de outras doenças sexualment­e transmissí­veis (DSTs), como gonorreia, sífilis e herpes. Este ano, mais de 6,5 mil pessoas contraíram o HIV na Venezuela. Em 2016, foram 5,6 mil. Em 2014, 3 mil.

A ginecologi­sta do Hospital Universitá­rio de Caracas, Vanessa Diaz, afirmou ao jornal

Washington Post que o número de pacientes com outras DSTs também aumentou. “Dos pacientes que atendi, a cada dez, seis tinham alguma DST. Dois anos atrás, esse número não passava de dois”.

O caos na Venezuela começou a afetar também questões mais prosaicas – do fornecimen­to de gasolina à energia elétrica. Nos últimos três dias, estações de metrô de Caracas tiveram de ser fechadas por falta de luz. Os apagões são cada vez mais frequentes. Em Caracas, nos horários de pico, a interrupçã­o das linhas de metrô por queda de energia costuma durar até duas horas. O principal jogo de beisebol da rodada de ontem, entre Magallanes e Águilas, disputado em Maracaibo, foi interrompi­do por mais de duas horas em razão de um blecaute na cidade.

Mesmo tendo as maiores reservas de petróleo do mundo, em várias regiões a gasolina está no fim. Dos 23 Estados da Venezuela, 17 enfrentam escassez de combustíve­l. O problema reduziu a circulação de táxis e ônibus, afetando o transporte público em várias cidades do país.

 ?? MERIDITH KOHUT/THE NEW YORK TIMES ?? Caos. Paciente espera atendiment­o em hospital da cidade de Barcelona, na Venezuela
MERIDITH KOHUT/THE NEW YORK TIMES Caos. Paciente espera atendiment­o em hospital da cidade de Barcelona, na Venezuela

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil