O Estado de S. Paulo

904 mil pessoas esperam por uma cirurgia no SUS

Demora pode chegar a 12 anos; Ministério da Saúde afirma que repassou verba extra para os Estados

- Fabiana Cambricoli

Levantamen­to do Conselho Federal de Medicina mostra que 904 mil pessoas esperam por uma cirurgia considerad­a não urgente no Sistema Único de Saúde (SUS). O número – obtido por meio da Lei de Acesso à Informação – pode ser ainda maior, já que leva em conta dados de apenas 16 Estados e dez capitais. Cirurgias de catarata, correção de hérnia, retirada de vesícula e de amígdalas ou adenoide concentram quase metade dos pedidos. Pelo menos 750 estão na fila há mais de dez anos – na rede paulista, a espera chega a 12 anos. A demora pode agravar o estado do paciente. Na fila desde 2012 por causa de cálculo renal, a comerciári­a Ana Célia Gonçalves, por exemplo, agora terá de retirar um rim. O Ministério da Saúde diz que repassou verba extra aos Estados.

“Os médicos disseram que corro o risco de desenvolve­r um câncer.” Claudia de Lana,

À ESPERA POR UMA CIRURGIA DESDE 2014

Pelo menos 904 mil pessoas esperam por uma cirurgia eletiva – não urgente – no Sistema Único de Saúde (SUS). Parte desses pacientes aguarda o procedimen­to há mais de 10 anos. Isso é o que mostra levantamen­to inédito feito pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) com dados das secretaria­s da Saúde dos Estados e das capitais brasileira­s obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação. A demora para realizar procedimen­tos, afirmam especialis­tas, pode agravar o quadro dos pacientes.

Segundo a entidade, o número de demandas represadas é provavelme­nte mais alto, já que somente 16 Estados e 10 capitais respondera­m. Há ainda a fila por procedimen­tos nos serviços de saúde federais.

O levantamen­to revela também que a quantidade de pessoas que aguardam cirurgia no sistema público é maior do que o medido pelo Ministério da Saúde. Em julho deste ano, a pasta divulgou a primeira lista única desse tipo de procedimen­to – antes disso, os números eram registrado­s só pelos Estados e municípios e nunca haviam sido centraliza­dos.

Na ocasião, a pasta informou que a fila era de 804 mil solicitaçõ­es no País. Na última semana, novo balanço apresentad­o pelo ministério apontou que, após avaliação feita pela ouvidoria, o número caiu para 667 mil pedidos porque havia duplicidad­e de cadastros na primeira lista.

“Tanto o número do ministério quanto o levantado pelo CFM são subestimad­os porque parte dos Estados não respondeu ou não tem os dados organizado­s. Há ainda aquelas pessoas que precisam da cirurgia, mas nem sequer têm acesso ao especialis­ta que dá o encaminham­ento”, destaca o presidente em exercício do CFM, Mauro Luiz de Britto Ribeiro.

O próprio ministro da Saúde, Ricardo Barros, admitiu ao Estado haver falhas de informação nas listas passadas pelos governos locais à pasta. “Quando os Estados começaram a fazer mutirões, constatamo­s que a maioria das pessoas que passaram pelas cirurgias não constavam da lista inicial passada pelo Estado. Isso demonstra que nossa fila não era exata”, diz ele, referindo-se aos mutirões realizados pelos Estados com verba extra federal repassada após a criação da fila única, em julho (mais informaçõe­s nesta página).

Complicaçõ­es. A demora na realização de cirurgias pode levar ao agravament­o do quadro de saúde do paciente, piorando o prognóstic­o e aumentando os custos para o próprio sistema. Quem não faz a cirurgia eletiva, diz Britto Ribeiro, “vai acabar caindo um dia no sistema de urgência e emergência ou operado num quadro muito pior do que no início da doença.”

É o caso da comerciári­a Ana Célia Gonçalves, de 52 anos, que aguarda cirurgia renal desde 2012. Quando seu nome foi incluído na lista, ela tinha quadro leve de cálculo renal. Neste ano, descobriu que o rim direito perdeu totalmente a funcionali­dade com o agravament­o da doença. Agora, a cirurgia será de retirada completa do rim.

“O exame deste ano mostrou que o órgão está com 13% da capacidade, o que, para os médicos, já é considerad­o perdido. O rim esquerdo também está em risco, tenho medo de perdê-lo também”, afirma. “Mas, quando reclamo, só ouço que tenho de ter paciência e aguardar na fila”, conta Ana Célia, que se trata no Hospital Universitá­rio Walter Cantídio, em Fortaleza.

Ela diz sofrer de dores agudas e segue dieta restrita para o problema não piorar ainda mais. “Tenho medo de perder o outro rim e precisar, então, de diálise e entrar na fila de transplant­e.” Procurado pela reportagem, o hospital não se manifestou. _

Longa espera. Ao menos 750 pedidos de cirurgias no País estão na fila há mais de 10 anos. No Estado de São Paulo, há casos em que o paciente aguarda desde 2005, recorde entre os Estados que respondera­m ao CFM. Na rede paulista, 143 mil esperam por cirurgia eletiva.

À reportagem, a secretaria paulista disse que a demanda reprimida por cirurgias eletivas é uma realidade nacional, causada sobretudo pela defasagem na tabela de valores de procedimen­tos hospitalar­es do ministério, “congelada há anos e que não cobre os reais valores dos atendiment­os”. Disse também que o número anual de procedimen­tos feitos sob gestão do Estado subiu 21% nos últimos sete anos, de 179,2 mil para 217,1 mil. Segundo o órgão, também são feitos mutirões de cirurgias.

Entre os procedimen­tos com o maior número de demandas represadas no Brasil estão as cirurgias de catarata (113.185), correção de hérnia (95.752), retirada da vesícula (90.275), varizes (77.854) e de amídalas ou adenoide (37.776). Só estes cinco tipos concentram quase metade de todos os pedidos na fila.

“Há ainda aquelas pessoas que precisam da cirurgia, mas nem sequer têm acesso ao especialis­ta que dá o encaminham­ento. Milhões de pessoas que têm hérnia, varizes, problemas de vesícula, por exemplo, nem conseguem chegar a uma consulta com o cirurgião” Mauro Luiz de Britto Ribeiro

PRESIDENTE EM EXERCÍCIO DO CFM

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