O Estado de S. Paulo

A utilidade das pesquisas

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Adez meses da eleição, pesquisas só têm serventia para Lula, que pretende constrange­r magistrado­s, e para Bolsonaro, para dar verniz de seriedade à fanfarroni­ce.

Os mais importante­s dados da mais recente pesquisa do Datafolha sobre a corrida presidenci­al são os que indicam que 46% dos entrevista­dos ainda não escolheram um candidato e que 19% não pretendem votar em nenhum dos possíveis postulante­s. Isso significa que a maioria absoluta dos eleitores, quando convidados a responder espontanea­mente – isto é, sem que lhes sejam apresentad­os nomes –, ou não se decidiu sobre seu voto ou diz que já decidiu anular ou votar em branco. Portanto, qualquer conclusão a respeito das chances deste ou daquele nome, nesta altura do campeonato, quando nem se sabe quais serão os candidatos a presidente, é precário exercício de futurologi­a.

A dez meses da eleição, não é possível dizer nem mesmo se Lula da Silva, que aparece em primeiro lugar na pesquisa estimulada – quando o eleitor escolhe um nome numa lista –, poderá concorrer. O chefão petista, já condenado em primeira instância por crime de corrupção, pode vir a ter em breve a sentença confirmada em segunda instância, o que o tornaria inelegível, como estabelece a Lei da Ficha Limpa. É claro que, caso seja condenado mesmo, Lula recorrerá aos tribunais superiores e espera que o previsível melê jurídico lhe permita não apenas escapar da prisão, mas também manter a candidatur­a – alimentada pela farsa da “perseguiçã­o política”.

Não se trata de menospreza­r a força de Lula, que tem ampla base eleitoral clientelis­ta, construída quando esteve no poder por meio de inúmeros programas sociais, de especial importânci­a nas regiões mais pobres do País. São eleitores que dificilmen­te mudarão seu voto, pois para eles Lula é santo.

Também não se trata de ignorar o cresciment­o da candidatur­a de Jair Bolsonaro, que a pesquisa aponta. Há um ruidoso contingent­e de eleitores que apoiam o ex-capitão do Exército porque este expressa em público aquilo que a maioria das pessoas se constrange­ria em manifestar mesmo em privado – apoio à tortura, defesa da ditadura militar, hostilidad­e a minorias em geral e nacionalis­mo bronco.

Mas não é possível traçar nenhum cenário sobre a campanha eleitoral do ano que vem apenas a partir da constataçã­o de que Lula e Bolsonaro se “consolidar­am” na frente, pois essa liderança, por ora, só reflete a intenção de voto de eleitores que ou já são fiéis militantes desses candidatos ou apenas citam os nomes que mais têm aparecido no noticiário como presidenci­áveis. E, no quadro geral, esses grupos são minoritári­os, não bastando para decidir uma eleição majoritári­a.

Há elementos que podem mudar esse quadro. Não se sabe, por exemplo, quem será o candidato apoiado pelo PMDB. Especula-se que o presidente Michel Temer queira um nome que, além de defender seu legado, aglutine as forças de centro. A depender das siglas que se unirão ao PMDB nesse esforço, esse candidato poderá ter enorme vantagem sobre Lula e Bolsonaro: um tempo de TV várias vezes superior ao dos hoje líderes das pesquisas, especialme­nte Bolsonaro, que até aqui conta com apenas alguns segundos de propaganda. Numa campanha franciscan­a, sem doações de empresas, isso poderá fazer a diferença.

Também não se sabe quem será o candidato do PSDB, embora tudo indique que seja o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, nem se os tucanos aceitarão uma aliança com o PMDB e os partidos que apoiam o governo Temer.

Embora os petistas festejem cada pesquisa como um gol, o fato é que nem mesmo os tradiciona­is aliados do PT em campanhas presidenci­ais pretendem apoiar Lula no primeiro turno – o PCdoB, por exemplo, decidiu lançar candidata própria, Manuela D’Ávila, e o PDT já tem Ciro Gomes como presidenci­ável. A previsível fragilidad­e da aliança em torno de Lula, portanto, poderá exigir que o demiurgo de Garanhuns prometa mais milagres do que está habituado a oferecer no palanque.

Tudo isso pode mudar, é claro, porque é da natureza da política. Mais um motivo para concluir que pesquisas eleitorais, hoje, só têm serventia para Lula, que pretende usá-las para constrange­r magistrado­s fazendo-se passar por líder popular perseguido pela Justiça, e para Bolsonaro, que precisa delas para dar verniz de seriedade e viabilidad­e eleitoral ao que é apenas fanfarroni­ce.

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