O Estado de S. Paulo

Prisão após 2ª instância opõe Gilmar e PGR

Ministro do STF vê prisão provisória ‘eterna’ na Lava Jato, enquanto PGR defende cumpriment­o de pena após recurso

- Beatriz Bulla Breno Pires / BRASÍLIA

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e a procurador-geral da República, Raquel Dodge, apresentar­am ontem, em eventos diferentes, entendimen­tos antagônico­s sobre a execução da prisão após decisão em segunda instância. Gilmar afirmou que o cumpriment­o da pena, com a Lava Jato, tornou-se “algo dispensáve­l”, uma vez que a prisão provisória passou a ser “eterna”. Raquel, por sua vez, defendeu a prisão após julgamento do recurso nos tribunais de segundo grau como um dos instrument­os jurídicos de combate à corrupção, sem os quais o Brasil viverá um “duro golpe”.

“Se a corrupção continuar em níveis tão elevados e perdermos os instrument­os jurídicos que realmente nos permitem enfrentá-la, como a execução da pena em segunda instância, a titularida­de (do Ministério Público Federal) para celebrar acordo de colaboraçã­o premiada, a força do acordo de leniência, o Brasil sofrerá o duro golpe de perder o futuro promissor e ter de viver em um presente marcado pela desonestid­ade e pela desconfian­ça”, afirmou Raquel, em sua mais longa manifestaç­ão pública sobre o tema, durante um evento em comemoraçã­o ao Dia Internacio­nal de Combate à Corrupção.

A previsão de execução da pena após uma decisão de segunda instância – antes do esgotament­o de todos os recursos nos tribunais superiores – foi admitida pela maioria do Supremo em outubro do ano passado. Recentemen­te, no entanto, parte da Corte tem sugerido a possibilid­ade de reversão desse entendimen­to, com um novo julgamento.

Em outro evento ontem em Brasília, sobre independên­cia e ativismo judicial, Gilmar afirmou que, sem a revisão do entendimen­to sobre a prisão em segunda instância, o papel do Supremo e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) fica reduzido na garantia dos direitos do cidadão brasileiro. “Se tem quase uma demissão nossa”, disse o ministro.

‘Desconfian­ças’. Raquel admitiu a existência de “desconfian­ças” sobre seu compromiss­o com o combate à corrupção e afirmou que o tema na sua gestão é “prioritári­o”. “São indagações autênticas, verdadeira­s e coerentes, algumas carregadas de desconfian­ças e dúvidas que são em tudo compatívei­s com a leitura crítica da história brasileira, marcada por ondas sucessivas de avanços e retrocesso­s no enfrentame­nto da corrupção”, afirmou.

Ela foi nomeada procurador­a-geral pelo presidente Michel Temer apesar de não ter ficado em primeiro lugar na lista tríplice elaborada pelos integrante­s do Ministério Público Federal (MPF) – o primeiro colocado foi Nicolao Dino, aliado do exprocurad­or-geral Rodrigo Janot. Na época da indicação, o antecessor de Raquel já havia enviado ao STF a primeira denúncia contra Temer, por corrupção passiva, com base nas delações de executivos do Grupo J&F. Raquel e Janot são desafetos no Ministério Público.

Compromiss­o. Nos primeiros discursos após a posse, realizada em 18 de setembro, a procurador­a-geral fez breves menções ao combate à corrupção. Ontem, porém, assegurou seu compromiss­o com o tema. “Considero muito importante dizer a todos com clara sinceridad­e algumas razões que presidem minha firme atitude contra a corrupção”, afirmou. Raquel disse que o MPF vai continuar a usar instrument­os como delação premiada, leniência, forças-tarefa, execução da pena após a segunda instância e a Lei da Ficha Limpa.

“Algumas quadrilhas foram desbaratad­as, mas muitas continuam a agir com desfaçatez, à luz do dia e em conluios que não escapam a registros, a câmeras de vídeo e a colaboraçõ­es. Outras escondem quantias milionária­s, às vezes de modo tão petulante e displicent­e que nos dão a certeza de que não temem a punição”, afirmou a procurador­a-geral, sem mencionar casos concretos.

Segundo Raquel, o mensalão e a Lava Jato são “marcos exitosos” da empreitada do MPF contra a corrupção.

“Se a corrupção continuar em níveis tão elevados e perdermos os instrument­os jurídicos (...), o Brasil sofrerá o duro golpe de perder o futuro promissor e ter de viver em um presente marcado pela desonestid­ade.” Raquel Dodge

PROCURADOR­A-GERAL DA REPÚBLICA

“Se tem quase uma demissão nossa (a não revisão da prisão em segunda instância).” Gilmar Mendes

MINISTRO DO STF

 ?? JORGE WILLIAM /AGÊNCIA O GLOBO ?? Evento. Ministro Gilmar Mendes participa do Seminário Independên­cia e Ativismo Judicial
JORGE WILLIAM /AGÊNCIA O GLOBO Evento. Ministro Gilmar Mendes participa do Seminário Independên­cia e Ativismo Judicial

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil