O Estado de S. Paulo

Morte de ex-ditador do Iêmen deixa Irã e Arábia Saudita mais perto de conflito

Futuro incerto. Ali Abdullah Saleh foi morto em ataque de rebeldes houthis, que recebem armas e treinament­o do governo iraniano; assassinat­o do principal líder político iemenita deixa país mais distante de uma resolução de curto prazo para a guerra civil

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Os rebeldes iemenitas houthis mataram ontem o ex-ditador Ali Abdullah Saleh, de 75 anos, na capital do Iêmen, Sanaa, após um ataque ao complexo de casas que ele vivia com a família. O assassinat­o deve tornar ainda mais volátil o já tumultuado cenário da guerra no Iêmen e aumentar a tensão entre os dois arquirriva­is regionais, Irã e Arábia Saudita, que apoiam lados opostos no conflito.

A morte de Saleh parece ser mais um capítulo na rivalidade crescente entre Arábia Saudita e Irã. O conflito no Iêmen é mais um palco da guerra indireta entre as duas potências do Oriente Médio que disputam a hegemonia regional.

A ferrenha rivalidade entre Riad e Teerã aumentou nos últimos anos. A expansão do regime dos aiatolás no Irã levou a Arábia Saudita a usar seu poder para impedir o domínio regional do rival. Por décadas, essa rivalidade inflamou a violência em regiões já atormentad­as pela guerra e criou novas zonas de conflito no Oriente Médio.

Desde a ascensão de Mohammed bin Salman, o príncipe herdeiro do trono saudita, com sua ambição de tornar a Arábia Saudita a potência hegemônica no Oriente Médio, Riad intensific­ou o patrocínio a Estados sunitas com populações xiitas, caso do Bahrein e do Iêmen, e apoiou milícias sunitas que lutam contra regimes apoiados pelo Irã, como no caso da Síria.

No Iêmen, o Irã apoia com armas e treinament­o os houthis. Nos últimos meses, os rebeldes já dispararam dois mísseis balísticos contra a Arábia Saudita – ambos foram intercepta­dos pelo sistema antimíssil saudita. Já a Arábia Saudita apoia os sunitas do Iêmen e usa seu poderio militar e aéreo para bombardear e atacar território­s dominados pelos xiitas.

Ditador. O Ministério do Interior iemenita, que é controlado pelos rebeldes houthis, e outros líderes políticos locais confirmara­m ontem a morte do exditador. Um vídeo na internet mostra o corpo de Saleh, sangrando, envolto em um cobertor, cercado por milicianos.

Saleh era uma das principais figuras políticas do Iêmen e sua morte reduz ainda mais as esperanças de uma resolução do conflito no curto prazo. Conhecido por sua perspicáci­a política, Saleh governou o Iêmen por quase 30 anos graças a sua habilidade em costurar alianças com os diversos líderes tribais que dominam o país. Ele costumava se vangloriar de ser capaz de “dançar nas cabeças das serpentes”.

Saleh mudou de lado algumas vezes nos últimos dois anos, conquistan­do a antipatia das principais facções que disputam o poder no Iêmen. Como presidente, Saleh tinha sido um aliado íntimo da Arábia Saudita e dos EUA, que o considerav­am um parceiro na luta contra a Al-Qaeda e um baluarte contra a influência do Irã e de seus aliados, os houthis.

Depois de ele deixar o cargo, em 2012, forçado pelos países do Golfo a renunciar depois dos protestos que tomaram conta do Iêmen na esteira da Primavera Árabe, Saleh forjou uma aliança com os houthis para tentar voltar a ter relevância política.

Em 2015, forças leais a Saleh ajudaram os rebeldes a conquistar o controle da capital e de grande parte do país. Em retaliação, a Arábia Saudita, apoiada pelos Emirados Árabes Unidos e com a ajuda de Washington, lançou uma campanha aérea e um bloqueio contra o grupo rebelde. Pelo menos 10 mil pessoas foram mortas, a maioria civis.

No sábado, Saleh trocou de lado mais uma vez. Em um discurso televisivo, culpou a “idiotice” dos xiitas houthis pelos anos de guerra no Iêmen. Ele disse que estava pronto para escrever uma “nova página” em seu relacionam­ento com a coalizão saudita se suas forças deixassem de atacar o Iêmen.

Cessar-fogo. O coordenado­r da ONU no Iêmen, Jamie Mc-Goldrick, pediu ontem um cessar-fogo humanitári­o de um dia no Iêmen para que mulheres e crianças possam buscar comida e água. “Milhares de iemenitas estão trancados em casa para se proteger dos tiroteios, é muito triste, pois não há o que fazer”, afirmou McGoldrick.

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