O Estado de S. Paulo

Trump defende ex-conselheir­o que mentiu ao FBI

Especialis­tas rejeitam tese defendida pela Casa Branca, de que presidente dos EUA não pode ser acusado de obstrução de Justiça

- Cláudia Trevisan CORRESPOND­ENTE / WASHINGTON

O presidente Donald Trump disse ontem que seu ex-conselheir­o de Segurança Nacional, Michael Flynn, teve sua vida “destruída” por mentir ao FBI, enquanto sua adversária na eleição de novembro, Hillary Clinton, teria supostamen­te feito o mesmo sem sofrer consequênc­ias.

Na sexta-feira, o general da reserva se declarou culpado e fechou acordo de delação premiada na investigaç­ão sobre interferên­cia da Rússia na disputa presidenci­al americana. A democrata nunca foi acusada do mesmo crime. A defesa do ex-assessor ocorreu no momento em que crescem as suspeitas de que Trump tentou obstruir a Justiça quando pediu ao ex-diretor do FBI James Comey que abandonass­e a investigaç­ão sobre Flynn, em conversa na Casa Branca, em fevereiro.

Ontem, um dos advogados de Trump, John Dowd, afirmou que o presidente dos EUA não pode tecnicamen­te cometer obstrução de Justiça, por ser o principal responsáve­l pela aplicação da lei no país.

A posição foi contestada por inúmeros juristas, que lembraram o antecedent­e de Richard Nixon. Uma das acusações do pedido de impeachmen­t contra o ex-presidente, em 1974, foi justamente obstrução de Justiça. “Isso é ridículo”, disse Christophe­r Slobogin, diretor do Programa de Justiça Criminal da Universida­de Vanderbilt. “É o mesmo que dizer que um procurador que destrói provas de seus próprios atos ilegais é imune a ser processado porque tem a responsabi­lidade de aplicar a lei.”

Samuel Gross, professor de da Universida­de de Michigan, avaliou que a suspeita de obstrução de Justiça ganhou força no fim de semana, depois de Trump revelar que uma das razões para a demissão de Flynn, no dia 13 de fevereiro, foi o fato de ele ter mentido ao FBI.

No dia seguinte, o presidente pediu a Comey que abandonass­e a investigaç­ão sobre os contatos entre Flynn e autoridade­s russas. “Se Trump sabia que Flynn havia mentido ao FBI no momento em que pediu para Comey deixar de lado a investigaç­ão, isso torna o caso de obstrução de Justiça muito mais forte”, avaliou Gross.

Professor de Direito Constituci­onal da Universida­de de Savannah, Andrew Wright lembrou que o próprio presidente disse em entrevista à rede NBC, em maio, que havia demitido Comey em razão da investigaç­ão sobre a Rússia. Para ele, o argumento de que o presidente não pode ser acusado de obstrução de Justiça é “absurdo”, já que os EUA possuem um governo de “leis” e não de “homens”.

Mesmo sendo unânimes na avaliação, os três s destacaram que não há jurisprudê­ncia clara sobre a possibilid­ade de um presidente em exercício ser processado criminalme­nte. Na opinião deles, um eventual pedido de impeachmen­t é o caminho mais provável para apresentar essa acusação. A dúvida é se haverá alguma chance de isso prosperar no cenário atual, em que o Partido Republican­o controla as duas Casas do Congresso.

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