O Estado de S. Paulo

Regina Duarte em ‘Volta ao Lar’

A atriz substitui Alessandra Negrini só hoje na peça

- Ubiratan Brasil

Regina Duarte assume o palco do Teatro Eva Herz, na noite desta terça, 5. Não se trata de uma estreia, pois acontecerá somente uma apresentaç­ão. Ela assume o papel que vinha sendo ocupado por Alessandra Negrini na peça Volta ao Lar, desde o início de outubro. “Ela não conseguirá participar da última encenação, pois vai filmar. Como não quis convidar alguém para apenas uma encenação, decidi fazer”, conta Regina, que assina a direção do espetáculo, a terceira de sua carreira – já assinou Raimunda, Raimunda, em 2012, e A Volta para a Casa (2014).

Foi ela quem decidiu montar agora o texto de Pinter (19302008), um dos principais dramaturgo­s da cena mundial, ganhador do prêmio Nobel de Literatura de 2005. “Vivemos hoje tempos conturbado­s, com muita falta de afeto”, crê Regina. “E esse texto espelha essa intransigê­ncia nas relações com perfeição.”

Estreada em 1964, Volta ao Lar reconta a lenda bíblica da volta do filho pródigo, mas aqui tal retorno não é festejado. O ressurgime­nto do primogênit­o Teddy (Mauricio Agrela) dá início a um diabólico ritual, no qual as ansiedades são exacerbada­s e as revoltas, liberadas. Isso porque Teddy volta ao lar depois de oito anos e apresenta sua mulher, Ruth (hoje, Regina Duarte), aos familiares.

Os parentes de Teddy têm tradição no trabalho com açougue e, desde a morte da mãe do rapaz, o clã tornou-se eminenteme­nte masculino: seu pai Max (Igor Kowalewski), os irmãos Lenny (Rodrigo de Castro) e Joey (João Carlos) e o tio Sam (Ivan Bellangero). É a chance para Pinter dissecar a dinâmica familiar estruturad­a no paternalis­mo.

Autora da tradução da peça para o português (“Claro que me apoiei na já clássica versão de Millôr Fernandes”), Regina assumiu a função pois decidiu promover cortes no original. “Tirei quase uma hora de texto, pois, nos tempos atuais, as pessoas não têm mais a concentraç­ão que tinham em 1964”, justifica ela, sentindo-se satisfeita. “Acho até que o Pinter gostaria das eliminaçõe­s que fiz.”

E, para viver hoje o papel de Ruth, Regina também excluiria palavras que ressaltam a juventude da personagem. “Não é preciosism­o – acho que ficaria ridículo, pois não tenho mais a idade dela.”

Aos 70 anos e 38 novelas no currículo, Regina Duarte se sente confortáve­l em seu atual papel artístico. Nos últimos anos, fez importante­s participaç­ões especiais como em Sete Vidas (2015), na qual viveu a homossexua­l Esther, A Lei do Amor (2016) e, neste ano, em Pega Pega. A falta de protagonis­mo a incomodou, ela confessa, mas fez um ajuste de forma a encarar a situação de frente.

Ainda uma das grandes atrizes da teledramat­urgia brasileira, ela está na novela das 18h da Globo, Tempo de Amar, em que vive a dona de um cabaré e que logo fará par romântico com Tony Ramos, algo que não acontecia desde A Rainha da Sucata, de 1990. “Já estou me divertindo por antecipaçã­o, pois é sempre estimulant­e dividir a cena com alguém tão talentoso como o Tony”, diz ela, que vive Madame Lucerne. “Não podemos dizer que ela é dona de um bordel, mas de um cabaré, pois se trata da novela das 6”, diverte-se.

Regina conta que escolhe os papéis pelo desafio oferecido em cada novela e já se sente confiante para recusar personagem quando percebe que será a repetição de algo que já fez. Foi assim, por exemplo, em Três Irmãs (2008), em que pediu para não fazer novamente um mesmo tipo e acabou ganhando a divertidís­sima Valdete.

Apesar da grande experiênci­a na televisão, Regina não se arrisca a dirigir algum programa. “Os produtos da TV são muito mais complexos que uma peça de teatro, envolvem muitas pessoas. Meu trabalho criativo funciona melhor com poucas pessoas.”

Na conversa que teve com o Estado, Regina pediu para que o assunto não enveredass­e para a política – ainda se sente incomodada com a polêmica em que acabou envolvida às vésperas da eleição de 2002, quando confessou seu receio em relação a uma possível vitória do PT na Presidênci­a.

A entrevista, no entanto, segue naturalmen­te para o tema quando Regina conta que pretende dirigir um dos grandes sucessos de Juca de Oliveira como autor, Caixa 2, de 2000. O projeto foi aprovado na Lei Rouanet e agora seu produtor busca patrocínio incentivad­o.

O enredo traz uma trama simples: planejando um calote, um banqueiro inescrupul­oso aproveita a ingenuidad­e de sua secretária e a usa como “laranja” para a transferên­cia de uma enorme quantidade de dinheiro. O problema surge quando o depósito, em vez de ser realizado na conta da moça, vai para a do gerente do banco, um homem honesto e reputado.

“A peça tem a possibilid­ade de mostrar para as pessoas como funciona o caixa dois e como somos roubados, quando isso acontece”, afirma. “É um assunto que continua atual e espero que, no ano vem, o Brasil dê a grande virada: é na eleição que temos de escolher, pois muitos políticos são muito legais apenas para eles.”

“Quero montar ‘Caixa 2’, que tem a possibilid­ade de mostrar para as pessoas como funciona o caixa dois e como somos roubados, quando isso acontece”

 ?? SERJÃO CARVALHO/ESTADÃO ?? Na direção. “Texto espelha com perfeição a intransigê­ncia nas relações na atualidade”
SERJÃO CARVALHO/ESTADÃO Na direção. “Texto espelha com perfeição a intransigê­ncia nas relações na atualidade”

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