O Estado de S. Paulo

Renovação do The Gift, 22 anos depois

Banda portuguesa se reinventa com a participaç­ão do produtor inglês Brian Eno e traz novo disco a São Paulo

- Pedro Antunes

Com a vista para o Mosteiro de Alcobaça, cidade localizada a 92 Km ao norte de Lisboa, em Portugal, almoçavam Nuno Gonçalves e Sónia Tavares, tecladista e vocalista da banda The Gift, e o produtor inglês Brian Eno, cujo currículo invejável inclui David Bowie, U2 e um bom punhado de outros nomes gigantes do rock e do pop. Eno olhava para a construção gótica do século 12, impression­ado. Entre mastigadas, virou-se para Nuno. “Sabe”, disse o produtor, “ao longo desse tempo todo, venho tentado cortar o lado épico das suas músicas. E, agora que estou a almoçar neste lugar, entendo de onde vem essa caracterís­tica. Todos os dias da sua vida, você olhou para isso aqui.” Eno seguiu: “Então, é natural para você pensar grande. Eu tenho que pedir desculpa”.

Ao longo de dois anos e meio, o The Gift esteve na companhia do produtor para longas vivências, em diferentes cidades do mundo – no norte da Espanha, em Alcobaça (cidade natal da banda) e em Londres –, para a criação de Altar, o sexto disco do quarteto português formado também por John Gonçalves (teclado e baixo) e Miguel Ribeiro (bateria).

O disco, mixado por Flood (parceiro e Eno em dezenas de discos e produtor inglês fundamenta­l a partir do período do post punk, nos anos 1980), pode ser considerad­o o melhor já lançado pelo quarteto português. Porque o Gift sempre gostou de brincar com o som, experiment­ar, viajar entre a psicodelia e o eletrônico. Com Eno, encontrara­m alguém com quem dialogavam musicalmen­te, sem se distanciar do que fizeram no passado.

Segundo Nuno, Altar, é uma celebração. Com letras em inglês e canções extremamen­te bem trabalhada­s, o álbum exala o longo período de gestação. Não há notas fora do lugar, os riffs sobem e descem nos pontos exatos. Os refrãos chegam na medida certa. Nenhuma canção tem menos do que quatro minutos de duração e constroem suas próprias narrativas, de início, meio e fim. Eno não tirou a cor do Gift, mas, sim, direcionou sua palheta um tom por vez.

E o início de uma nova jornada para o Gift. São 22 anos de banda e, nos últimos dois anos, enquanto criavam Altar, a banda também percorria o mundo com a celebração das duas décadas de existência. É como se o que foi feito até ali, lá ficou, no passado. Agora, graças à presença de Eno, a banda ganha ainda mais reconhecim­ento fora das fronteiras portuguesa­s.

E os trazem de volta ao Brasil. A banda se apresentou nesta segunda-feira, 4, no Rio de Janeiro, e hoje toca na Casa Natura Musical, em São Paulo. Na quarta, 6, fazem show no ótimo Sesc Ribeirão Preto e, na quinta, têm showcase na SIM São Paulo.

Ontem pela manhã, ainda afetados pela diferença de fuso horário de duas horas entre Rio de Janeiro e Portugal, Nuno e Sónia, se viam sozinhos no piso térreo do hotel onde estavam hospedados, na capital fluminense. Tomavam café da manhã (ou pequeno almoço, como eles chamam em Portugal ) e falavam sobre a fragilidad­e da vida, após a morte do amigo Zé Pedro, guitarrist­a da banda portuguesa Xutos & Pontapés, no último 30 de novembro. “Isso pode acontecer a qualquer momento”, diz Gonçalves. “Temos é que aproveitar o fato de estarmos vivos e fazermos aquilo que mais gostamos.”

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HANS PETER Celebração. Enquanto comemorava os 20 anos de carreira, quarteto gravava o álbum

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