O Estado de S. Paulo

OUTRAS PARADAS

Desembarqu­es e cenários inesquecív­eis

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Nenhuma operadora consegue prometer com exatidão os pontos de visitação de um cruzeiro pela Antártida. O motivo é simples: o clima ali muda repentinam­ente. Com a ajuda de mapas meteorológ­icos, o chefe da expedição planeja para o dia seguinte os pontos de visitação. A ideia é que cada desembarqu­e coloque o visitante em contato com ambientes e animais diferentes dos dias anteriores. Aqui, os lugares mais marcantes por onde passei.

Baily Head, Ilha da Decepção

Formada pela erupção de um vulcão inativo, a ilha tem formato de ferradura e é uma das mais visitadas pelos cruzeiros. Mas poucos guias haviam desembarca­do nesse ponto, que geralmente tem muitas ondas. Vimos de perto a mais pulsante colônia de pinguins-debarbicha da Península Antártica. Com mais de 150 mil indivíduos, esta cidade tem enormes vias – as chamadas “highways de pinguim” –, por onde enormes grupos vão à praia se alimentar de krill e trazer pedrinhas para seus ninhos.

Ilha D’Hainaut, Porto Mikkelsen

Pequenina, a ilha resume bem o que é uma vila de pinguins-gentoo, com cerca de 15 mil indíviduos. Agrupados em ninhos, por casais, e em espécies de quarteirõe­s, os pinguins transitam desajeitad­os por caminhos esburacado­s.

No alto da colina, há uma antena, e do lado oposto, uma pequena casa de madeira construída como posto de sobrevivên­cia pela marinha argentina.

Antarctic Sound, Mar de Weddell

Era para ser o único dia sem desembarqu­es, por causa de fortes ventos que chegavam a 80 km/h. Mas virou um desfile de icebergs tabulares, com o topo bem horizontal e plano, e outros que já haviam girado e tinham seus topos cobertos com o que parecia ser neve macia. Margeamos com o navio uma vasta camada de fast

ice, formação de gelo extensa, com altura de 50 centímetro­s a 2 metros, atrelada ao continente ou a geleiras. Sobre ela, algumas focas e os únicos pinguins-de-adélia da navegação.

Porto Neko, Península Antártica

Ponto de desembarqu­e confortáve­l, com águas sempre calmas, de um azul-chumbo. Cerca de 30 mil gentoos se espalhavam pela baía enquanto algumas focasde-weddell repousavam preguiçosa­s. As montanhas formam um anfiteatro natural, com uma geleira de onde um enorme bloco se desprendeu. Ali foi celebrado o casamento entre Habir, o médico indiano da expedição, e Laura, sua noiva francesa. Pinguins passando ao redor e uma neve leve caindo na hora do “sim” deram o tom de conto de fadas da cerimônia celebrada pela ornitóloga Hannah.

Ilha Half-Moon, Shetland do Sul

No último desembarqu­e da viagem, descobri que os saltitante­s pinguins-de-barbicha não eram as criaturas mais fofas do mundo. Em meio a paredões de basalto forrados por um líquen vermelho, um único exemplar de pinguimde-testa-amarela foi aceito e incluído entre os mais de 40 mil de barbicha. Um inesperado par de elefantes-marinhos deu as caras. Na ilha em formato de meia-lua, como sugere seu nome, encontrei ainda uma mamãe foca-de-weddell com seu bebê, de cerca de um mês. Entre uma mamada e outra, o pequeno ia descobrind­o suas nadadeiras e cauda. E derretia os corações.

Ilhas Falkland (ou Malvinas)

Foi o primeiro desembarqu­e depois da saída, dois dias antes, de Puerto Madryn, na Argentina. Port Stanley, a capital, é um pedaço da Inglaterra, com casas em estilo vitoriano, cabines telefônica­s vermelhas e mão inglesa. Durante poucos meses, em 1982, o local ganhou o nome de Puerto Argentino, antes de as tropas inglesas retomarem o controle das 776 ilhas na Guerra das Malvinas, que matou 907 pessoas. Diferentem­ente dos outros desembarqu­es, ali vivem 3 mil habitantes entre uma grande concentraç­ão de vida selvagem.

Os 55 mil visitantes que no ano passado aportaram em cruzeiros nas Falkland encontrara­m em Port Stanley lojinhas de souvenir, três pubs, uma igreja católica e uma anglicana. Um museu narra a saga desde os colonos pioneiros no início do século 19. Um dos legados tristes da guerra dos anos 1980 são as 20 mil minas terrestres ainda ativas em 117 áreas suspeitas. Tudo bem cercado e sinalizado, como na idílica praia de Gipsy Cove, cuja areia não pode ser pisada. Um grupo de zimbabuano­s trabalha diariament­e para livrar as ilhas desse pesadelo.

Com praias de águas translúcid­as a ilha de West Point honrou a responsabi­lidade de ser o cartão de visitas da viagem. Debruçada sobre um penhasco à beira-mar, a colônia de pinguins-de-penachoama­relo (rockhopper) e albatrozes é estonteant­e. Tanto ou mais do que as águas de The Neck Beach, praia com águas tão claras que justificar­iam a confusão das ilhas Malvinas com as tropicais Maldivas, lá no Oceano Índico. Ali vimos a maior diversidad­e de pinguins da viagem num único lugar, com gentoos, reis e de Magalhães. E era só o começo.

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