O Estado de S. Paulo

Mesmo que seja aprovado algo mais do que uma reforma desidratad­a, o rombo estará longe de ser equacionad­o.

- CELSO MING E-MAIL: CELSO.MING@ESTADAO.COM

Ogoverno federal manobra para arrancar do Congresso alguma reforma da Previdênci­a Social ainda em 2017. Todos os argumentos técnicos foram repetidos à exaustão. A reforma é exigência da aritmética. Como está, a conta não fecha. A despesa da Previdênci­a Social consome 64% das receitas do governo federal e o rombo cresce cerca de R$ 50 bilhões por ano. A falta de avanço nessa matéria compromete o futuro dos jovens que iniciam as atividades profission­ais agora e, mais ainda, o das gerações seguintes. Cálculos da Fazenda mostram que, se nada se fizer, em 2035 a contribuiç­ão do trabalhado­r ao INSS teria de subir a 60% do salário bruto só para bancar as aposentado­rias. Até agora, nenhum economista contestou essa conta.

Na semana passada, o IBGE revelou mais um imperativo demográfic­o que exige a reforma. Em apenas um ano – o de 2016 –, a expectativ­a de vida ao nascer aumentou em mais 3 meses e 11 dias: para 72,2 anos, no caso dos homens; e para 79,4 anos, no das mulheres. Ou seja, continua aumentando o tempo em que o sistema tem de pagar aposentado­ria.

Daqui a alguns anos, os políticos que agora se opuserem a esse encontro de contas correm o risco de serem lembrados como sabotadore­s da aposentado­ria dos brasileiro­s. Em 1998, aparenteme­nte para atender a pressões da colônia armênia, o então deputado federal tucano Antônio Kandir votou contra a reforma, embora seu partido tenha fechado questão sobre a matéria. Deu depois a desculpa esfarrapad­a de que apertara o botão errado. Com isso, a aprovação do projeto de reforma da Previdênci­a acabou por ser rejeitado na Câmara dos Deputados, por apenas 1 voto.

O PT é contra porque é contra, e não por convicção ideológica. Em 2016, Dilma avisou que a reforma da Previdênci­a era absolutame­nte necessária e encarregou o então ministro Joaquim Levy de colocar em marcha o processo de aprovação. Portanto, naquela ocasião, o PT, partido da então presidente da República, era a favor. Hoje, mesmo após o agravament­o das contas, o PT mantém oposição sistemátic­a ao governo, mesmo em matéria de tamanha importânci­a.

O PT não está sozinho. O PSDB também vacila, como atesta o atual presidente dos tucanos, Alberto Goldman. Mas esse é um caso para psicanális­e, que, aí, também pode ser chamado de síndrome Kandir. E há a turma da fisiologia que apenas vê no projeto da reforma chance para extorquir facilidade­s do governo.

Convém passar mais um aviso aos navegantes. Mesmo que seja aprovado algo mais do que o desidratad­o projeto de reforma, o rombo estará longe de ser equacionad­o. Será só um pasito na direção correta. Os fatores estruturai­s responsáve­is pelos atuais déficits se aprofundam. Entre os efeitos da transforma­ção das relações de trabalho está a maior dificuldad­e de garantir contribuiç­ões ao sistema. E a demografia também trabalha contra. A população envelhece, vive mais e consumirá mais tempo de aposentado­ria.

Mais à frente, novas e profundas reformas terão de ser feitas para que a cobertura das despesas da Previdênci­a dê conta do recado.

 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil