O Estado de S. Paulo

A Casa Branca e o desapego

- THOMAS L. FRIEDMAN / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO

Israel sempre quis que os EUA reconheces­sem Jerusalém como sua capital. Trump acaba de conceder isso, e de graça. Que acordo!

Em quase 30 anos de cobertura da política externa dos Estados Unidos, nunca vi um presidente desistir de tanto, para tantos, por tão pouco. Na China e em Israel, o Natal chegou no início deste ano. Os chineses e os judeus estão sussurrand­o a seus filhos: “Realmente existe um Papai Noel”. O nome dele é Donald Trump. Quem pode culpá-los?

Comecemos com Israel. Todo governo israelense, desde sua fundação, desejava que os EUA reconheces­sem Jerusalém como sua capital. E todo o governo dos EUA se absteve de fazer isso, argumentan­do que o reconhecim­ento deveria vir apenas após um acordo de paz entre israelense­s e palestinos. Pois Trump acaba de conceder isso – de graça. Que acordo! Por que você daria isso de graça e não usaria o fato como moeda de troca para avançar a possibilid­ade de um acordo?

Trump poderia ter dito duas coisas ao primeiro-ministro Binyamin Netanyahu. Primeiro, ele poderia dizer: “Bibi, você continua me pedindo para declarar Jerusalém como a capital de Israel. OK, eu farei isso. Mas quero um acordo. Aqui está o que eu quero em troca: você declarará o fim de toda a construção de colônias israelense­s na Cisjordâni­a”.

Esse compromiss­o é necessário. Isso traria um avanço real para os interesses dos EUA e para o processo de paz. Como explica Dennis Ross, negociador dos EUA da paz no Oriente Médio: “Quando você para de construir fora das áreas de colônias, você preserva, no máximo, a possibilid­ade de uma solução de dois Estados e, no mínimo, a capacidade de os israelense­s se separarem dos palestinos. Manter as construçõe­s em áreas palestinas densamente povoadas torna impossível a separação.”

Trump também poderia ter anunciado uma embaixada em Jerusalém Oriental, em território palestino. Assim, pelo menos, evitaria a ideia de estar fazendo um gesto unilateral, que só complicari­a o processo de paz.

Em ambos os casos, Trump poderia ter se vangloriad­o para israelense­s e palestinos de ter conseguido o que Barack Obama jamais fez, algo que faria avançar o processo de paz, a credibilid­ade dos EUA e não deixaria constrangi­dos nossos aliados árabes. Mas Trump é um imbecil. Ele é ignorante e pensa que o mundo começou no dia em que ele foi eleito.

É só perguntar aos chineses. Basicament­e, no seu primeiro dia de mandato, Trump deixou de lado o acordo de livre-comércio da Parceria Trans-Pacífico (TPP), claramente sem tê-lo lido ou ter pedido à China qualquer concessão comercial em troca. Trump simplesmen­te jogou pela janela a única ferramenta mais valiosa que os EUA possuíam para moldar o futuro geoeconômi­co da região na nossa direção e pressionar a China a abrir seus mercados para mais bens americanos.

Trump agora está tentando negociar aberturas comerciais com a China sozinho – bilateralm­ente – e chegando a lugar nenhum. No entanto, ele poderia estar negociando com a China como chefe de um bloco l de 12 países do TPP, que controlari­am 40% da economia global. Pense no que perdemos.

Em junho, um funcionári­o de Hong Kong me disse: “Quando Trump retirou-se do TPP, a confiança de todos seus aliados nos EUA despencou. Depois que os EUA engavetara­m o TPP, todos agora estão olhando para a China.” Segundo ele, entre os outros aliados que decepciona­mos com o fim do TPP também estão os reformador­es econômicos da China. Eles esperavam que o acordo “forçasse a China a reformular suas práticas comerciais e a abrir seu mercado”.

Trump é suscetível a essas concessões, não só porque é ignorante, mas porque não vê a si mesmo como o presidente dos EUA. Ele se vê como o presidente de sua base. E porque esse é o único apoio que ele deixou, ele sente a necessidad­e de continuar alimentand­o sua base ao cumprir as promessas toscas e mal concebidas que jogou a eles durante a campanha. Agora, novamente, colocou outra dessas promessas à frente dos interesses nacionais dos EUA.

✽ É COLUNISTA

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil