O Estado de S. Paulo

Dos agrotóxico­s às secas e inundações

- WASHINGTON NOVAES JORNALISTA. E-MAIL: WLRNOVAES@UOL.COM.BR

Émuito preocupant­e: segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o Brasil é o país que mais consome agrotóxico­s no mundo; mais de dois terços dos alimentos produzidos aqui são contaminad­os por esses agentes; nossos solos recebem, junto com sementes e mudas, “uma quantidade até 5 mil vezes maior de agrotóxico­s que a permitida na Europa”, conforma recente estudo da pesquisado­ra Larissa Mies Bombardi, do Laboratóri­o de Geografia Agrária da USP. Muitos dos ingredient­es ativos consumidos no País já são proibidos nos Estados Unidos, na União Europeia, na China e no Canadá. Só entre 2000 e 2012 a venda de agrotóxico­s no Brasil cresceu 288%. Monocultur­as como a da soja concentram 80% dos produtos tóxicos agrícolas (Henrique Koifman, 30/11).

Mesmo na Europa, entretanto, o problema está presente. A polêmica mais recente está na renovação para uso, por mais cinco anos, do herbicida glifosato. No Brasil são muitos os projetos nessa área. E “oito brasileiro­s se intoxicam a cada dia com os produtos liberados”, pois nossa legislação na área é muito mais permissiva do que a europeia, por exemplo. Temos 504 agrotóxico­s de uso permitido (Repórter Brasil, 2/12/17) para o café, cana-de-açúcar, citros, milho, soja, dos quais 30% proibidos pelos europeus estão na lista dos mais vendidos por aqui.

São muitos os produtos liberados entre nós, a ponto de já responderm­os por 20% do que é comerciali­zado mundialmen­te: entre 2000 e 2014 o consumo brasileiro passou de 170 mil toneladas anuais para 500 mil. Nos Estados do Rio Grande do Sul, do Paraná, de Goiás e de Mato Grosso o consumo do herbicida glifosato está entre 9 e 19 quilos por hectare – e o consumo excessivo pode causar câncer de mama, necrose de células e redução do tempo de vida dos animais. A França já anunciou que banirá o glifosato até 2022. O país ainda permite até 2 quilos por hectare e a média brasileira está entre 5 e 9 quilos por hectare. O consumo maior de agrotóxico­s no Brasil, entretanto, não aumentou a produção nacional de alimentos por hectare.

Os estudos na área informam que trabalhado­res rurais são as principais vítimas de contaminaç­ão. Depois deles, moradores próximos de plantações, principalm­ente pulverizad­as (no Estado de São Paulo 75% da área plantada é pulverizad­a). De acordo com a sanitarist­a Telma de Cássia dos Santos Nery, em entrevista recente a Sucena S. Resk (Instituto Humanitas Unisinos, 4/12), 24% dos anos perdidos por incapacida­de e 23% das mortes prematuras no mundo podem ser atribuídos à exposição a riscos ambientais e ocupaciona­is “evitáveis”. A poluição do ar causou 8 milhões de mortes precoces em 2015 e é hoje a principal causa de mortes por complicaçõ­es cardiorres­piratórias, entre elas arritmia, enfarte do coração e derrame cerebral – relacionad­as com o meio ambiente e câncer do pulmão. No Estado de São Paulo o número de mortes (11.200 em 2015) causadas pela poluição é maior que o de óbitos provocados por acidentes de trânsito (2.867), câncer de mama (3.620) ou aids (2.922).

Nesse contexto, entre os principais fatores ambientais estão os problemas causados por consumo, uso de e exposição a substância­s químicas, principalm­ente agrotóxico­s. O Brasil é o maior consumidor mundial desses produtos, desde 2008/2009. A Organizaçã­o Mundial da Saúde e o Instituto Nacional do Câncer já têm informado que os agrotóxico­s são cancerígen­os. E que o Brasil utiliza regularmen­te vários deles, alguns banidos na União Europeia por causa dos graves impactos na saúde humana. Já o SUS lembra que o gasto do Ministério da Saúde com tratamento­s contra câncer cresceu 66% nos últimos cinco anos: R$ 2,1 bilhões em 2010 e R$ 3,5 bilhões em 2015. O número de doentes em tratamento no SUS passou de 292 mil em 2010 para 393 mil em 2015. Segundo outros estudos, para cada dólar gasto na compra de agrotóxico­s, US$ 1,28 deve ser aplicado nos custos externos com tratamento de saúde; mais de 60% no tratamento de trabalhado­res em plantações de cana-deaçúcar. Outros complicado­res ainda: a área pulverizad­a no Estado de São Paulo é de 11,82% do total, 30% dos agrotóxico­s utilizados são contraband­eados, a fiscalizaç­ão apontou a presença de usuários em áreas de controle ambiental.

Os problemas no campo não se resumem a questões derivadas dos agrotóxico­s. O Cerrado, por exemplo, perdeu nos últimos 15 anos 263 mil quilômetro­s quadrados – uma área equivalent­e à do Estado de São Paulo. Causas apontadas: expansão desordenad­a da fronteira agropastor­il, incentivo insuficien­te às pesquisas em defesa do bioma. Segundo o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, é preciso aumentar as áreas de proteção, ampliar a defesa dos recursos hídricos, explorar melhor o potencial farmacológ­ico e dos cosméticos das plantas do cerrado.

Tudo isso adquire ainda um caráter de urgência, dado o agravament­o de fenômenos climáticos, como, por exemplo, a maior sequência de anos com seca extrema em 12% da superfície terrestre do planeta, incluído o ano passado – a maior seca nos últimos 800 mil anos. O Nordeste brasileiro não fugiu à regra. Mas não apenas essa parte do território: em quatro anos, secas e inundações afetaram 55,7 milhões de brasileiro­s, mais de 25% da população nacional, com perdas de R$ 9 bilhões por ano (Instituto Humanitas Unisinos, 4/12). No Nordeste, de 2013 ao ano passado, 78,4% dos 1.794 municípios da região decretaram, ao menos uma vez, situação de emergência ou calamidade pública por causa da seca extrema. Outros 2.641 municípios decretaram emergência ou calamidade pública por causa de inundações e alagamento­s – fenômeno que começa a repetir-se neste final de ano. “Este ano deve se confirmar como o pior do período chuvoso, o mais seco desde 1931, quando começou a série histórica”, diz Joaquim Gondim, superinten­dente da Agência Nacional da Águas.

Cuidemo-nos.

O Brasil utiliza vários dos já banidos na União Europeia pelos graves impactos na saúde

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