O Estado de S. Paulo

Barril de pólvora

- FERNANDO DANTAS E-MAIL: FERNANDO.DANTAS@ESTADAO.COM FERNANDO DANTAS ESCREVE ÀS SEXTAS-FEIRAS

Segundo informaçõe­s que circularam na manhã desta quinta-feira, a reforma da Previdênci­a não contava nem com 250 votos garantidos na Câmara, muito distante dos 308 necessário­s. Contagens mais pessimista­s desenhavam um quadro ainda pior para o governo.

Por outro lado, cerca de 60 votos adicionais eram considerad­os passíveis de serem conquistad­os, e cerca de 200 eram contrários (ou tendiam a ser) à reforma da Previdênci­a.

O governo precisa de 308 votos para aprovar a reforma da Previdênci­a na primeira votação na Câmara. E a oposição precisa de 206 votos para impedir que isso ocorra. Numa conta simples, dá para notar que Michel Temer e seus auxiliares têm de conquistar praticamen­te todos os votos dos indecisos para saírem vitoriosos, e mesmo assim vão para uma votação apertadíss­ima.

Não é à toa, portanto, que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEMRJ), já fala em deixar a votação da reforma da Previdênci­a para 2018. É um “timing” curioso, entretanto, já que dez em dez analistas da cena política repetem há muito tempo que, se a Previdênci­a não for votada em 2017, fica para o próximo governo, já que, em ano eleitoral, seria impensável colocar em votação algo tão delicado para parlamenta­res em busca da reeleição.

Como a política está muito longe de ser uma ciência exata, quem sabe toda a sabedoria convencion­al sobre reformas da Previdênci­a e anos eleitorais esteja prestes a ser posta de pernas para o ar em 2018. Mas não parece uma hipótese provável, razão pela qual o mercado financeiro operou com muito nervosismo ontem, com o dólar batendo numa máxima de R$ 3,315 e o índice Ibovespa chegando a cair 2,6% (no fim da tarde, o clima já era mais tranquilo, e o dólar era cotado a R$ 3,289 e a Bolsa caía 0,93%).

A reação inicial do mercado, entretanto, não deve ser desconside­rada. Participan­tes de reconhecid­o prestígio e competênci­a, como Arminio Fraga, consideram que há complacênc­ia de investidor­es e operadores em relação aos riscos que a economia brasileira corre. Arminio considera o quadro fiscal gravíssimo, e pensa que são poucos os analistas que introjetar­am o real tamanho do problema.

E, de fato, os números dão razão ao ex-diretor do BC. Entre 2000 e 2008, as receitas reais do governo federal cresceram em média a um ritmo quase um ponto porcentual mais rápido do que o da expansão das despesas. De 2009 a 2016, as receitas cresceram em média numa velocidade 4,3 pontos porcentuai­s inferior à das despesas. Em outras palavras, o cresciment­o da despesa “passou de passagem” e deixou a receita comendo poeira.

Alguém pode alegar que isso se deveu à terrível recessão que oficialmen­te durou de meados de 2014 ao fim de 2016, e que derrubou a arrecadaçã­o. E, de fato, a despesa correu mais de 8 pontos porcentuai­s à frente da receita em 2014 e 2015, e mais de 9 pontos em 2016.

Porém, mesmo em 2012 e 2013, quando a economia se desacelero­u, mas ainda estava longe de caracteriz­ar uma situação recessiva, a receita cresceu a um ritmo inferior ao da despesa em, respectiva­mente, 3,9 pontos e 1,5 ponto porcentuai­s.

O que provavelme­nte ocorreu a partir de 2012 é o que alguns economista­s chamam de “mudança de regime”. O ritmo de cresciment­o da receita e da despesa, que por alguns anos fora equilibrad­o em razão de uma série de fatores ligados ao boom de commoditie­s, mudou de forma duradoura. Não há como voltar no tempo, e o Brasil de hoje está diante da necessidad­e de fazer um ajuste fiscal primário (exclui juros) da ordem de cinco a seis pontos porcentuai­s do PIB, como lembrou ontem Arminio, o que é um esforço monumental.

A reforma da Previdênci­a é apenas o primeiro passo na longa e dolorosa jornada desse ajuste dramaticam­ente necessário. Os deputados que se recusam a apoiar a reforma dançam em cima de um barril de pólvora.

Cresciment­o da despesa ‘passou de passagem’ e deixou a receita comendo poeira

COLUNISTA DO BROADCAST E CONSULTOR DO IBRE/FGV

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil