O Estado de S. Paulo

O vigor do atraso

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Partidos da “base aliada” de Temer especulam sobre a possibilid­ade de apoiar Lula.

Enquanto o presidente Michel Temer enfrenta grandes dificuldad­es para articular apoio político às urgentes medidas de austeridad­e e de reorganiza­ção das contas públicas, as forças do atraso, responsáve­is pela ruína econômica que hoje o governo tenta superar, conjugam-se com descarada desenvoltu­ra para disputar o poder em 2018.

Partidos que hoje se encontram na chamada “base aliada” de Temer não se constrange­m em especular publicamen­te sobre a possibilid­ade de virem a apoiar a candidatur­a de Lula da Silva à Presidênci­a – malgrado o fato de o chefão petista ser hoje o maior opositor do governo federal.

Somente o mais rasteiro cálculo político é capaz de explicar tamanha incoerênci­a, pois trata-se de partidos que sempre estiveram no poder e se especializ­aram em farejar oportunida­des de auferir lucros seja quem for o presidente da República.

É o caso, por exemplo, do PR, que fez dos Transporte­s seu feudo nos governos petistas e foi mantido por Temer nessa pasta. “O PR não descarta apoiar o Lula”, informou o líder do partido na Câmara, José Rocha (BA). Outro partido que sinaliza a possibilid­ade de embarcar na candidatur­a petista é o PP, que ocupa três Ministério­s. O líder da legenda na Câmara, Arthur Lira (AL), diz que hoje o PP tem “pouca chance” de apoiar Lula, mas o presidente pepista, senador Ciro Nogueira (PI), já declarou voto no ex-presidente, dizendo que ele “foi o melhor presidente para este País, principalm­ente para o Piauí e o Nordeste”.

Na hipótese de que Lula consiga driblar a Justiça e manter sua candidatur­a presidenci­al, é improvável que o petista recuse o apoio desses partidos, a despeito do fato de que participar­am ativamente do impeachmen­t da presidente Dilma Rousseff. Lula pode se apresentar como um monumento ético e vociferar contra os “golpistas”, mas, quando se trata de se viabilizar como candidato, não há limites para sua caradura.

Nem é o caso de discutir se realmente Lula terá mesmo o apoio dessa turma, pois a eleição ainda está distante, mas o simples fato de que partidos fisiológic­os como o PR e o PP admitem a hipótese de ajudar o petista a voltar ao poder é suficiente para que se perceba o quão difícil é a tarefa de quem se propõe a modernizar o País.

Uma aliança em torno de Lula é necessaria­mente deletéria. A cada pronunciam­ento do demiurgo petista, fica clara sua disposição de minar os esforços para sanear a economia e impedir as reformas. Lula está em plena campanha contra a reforma da Previdênci­a, embora certamente saiba que se trata de medida imprescind­ível para evitar o colapso das contas nacionais. Em seu projeto de reconquist­a do poder, até mesmo a expressão “vale-tudo” parece ter ganhado nova dimensão.

“A gente está vendo criança voltar a pedir esmola, aumentar o número de moradores de rua. Não fomos nós que causamos o problema, mas, se não for a gente para resolver, ninguém vai”, escreveu Lula em seu perfil no Twitter, recusando a paternidad­e da imensa crise inteiramen­te produzida por seu governo e pelo de sua desastrada criatura, Dilma Rousseff. Aposta, assim, na desinforma­ção do eleitor para, em meio à confusão, apresentar­se como a solução para os problemas que ele mesmo ajudou a criar.

Ao investir de corpo e alma na mistificaç­ão, na demagogia e na impostura, Lula vai se consolidan­do como o candidato ideal dessa aliança dedicada a sabotar o País em favor de interesses particular­es, corporativ­os e invariavel­mente corruptos. É uma gente que não teria a menor chance de ganhar o poder se o Brasil já tivesse superado sua herança patrimonia­lista e se já estivesse curado de sua estatolatr­ia, que faz com que se acredite que tudo no País pode e deve ser providenci­ado pelo Estado, seja na forma de “direitos”, seja embalado como prebenda. Lula e seus parceiros oportunist­as vicejam nesse terreno adubado pelo populismo, que encanta os muitos que ainda não se convencera­m de que não existe saída fácil para adversidad­es tão complexas como as que o Brasil enfrenta hoje.

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