O Estado de S. Paulo

‘Trump deu nova vida à extrema direita’

Especialis­ta em grupos radicais brancos diz que presidente fez os supremacis­tas saírem do mundo virtual

- Renata Tranches

Os movimentos supremacis­tas brancos nos EUA ganharam força nos últimos anos, à medida que o país passava por uma mudança demográfic­a. Segundo o professor da Westfield State University George Michael, a militância cresceu na internet e ganhou as ruas após a eleição de Donald Trump. Segundo ele, o grande legado do presidente americano foi ter feito esses grupos saírem do mundo virtual e se articulare­m na vida real. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Estado.

• Por que a extrema direita está no centro da política americana?

Tem havido mudanças na sociedade americana que têm permitido o cresciment­o desses movimentos, conhecidos como “alt+right”. Uma coisa importante é a mudança demográfic­a. A população tem se tornado mais diversa. Isso é consequênc­ia de uma lei de 1965, que mudou a imigração nos EUA. Antes, os imigrantes vinham da Europa. Após a lei, há mais imigrantes da América Latina e da Ásia. Isso está acontecend­o há décadas, mas a questão alcançou uma massa crítica recentemen­te. O censo mostra que, em 2042, não haverá uma maioria étnica racial americana. Os brancos serão reduzidos a uma minoria. Isso tem causado incômodo entre eles.

• Trump fez da imigração o foco da campanha. Qual o peso disso?

O que mudou o jogo foi a candidatur­a de Trump. Ele fez da imigração o centro da campanha. Não acho que ele seja nacionalis­ta, racista, algo do tipo. Mesmo assim, ele encampou questões para as quais figuras do “alt+right” dão muito valor.

• O que ocorre hoje tem conexão direta com a eleição de Trump?

Pode ser. Não acho que essa tenha sido a intenção de Trump. Ele recebeu muitas críticas pela resposta que deu a Charlottes­ville (protesto de supremacis­tas que deixou um morto na Carolina do Norte). Mesmo assim, acho que Trump deu nova vida à extrema direita. Ele teve um efeito mobilizado­r para o “alt+right”. Antes, esse pessoal estava mobilizado só no espaço virtual, em salas de bate-papo. A campanha deu a eles a oportunida­de de se encontrar em protestos no mundo real.

• Quais as diferenças dentro do ‘alt+right’ e quem são os líderes?

O nome mais importante é Richard Spencer, do National Policy Institute. Ele é um homem muito articulado, bem educado, tem boas conexões com outros membros do “alt+right”, um especialis­ta nas mídias sociais. Ele pode se afastar da abordagem violenta e apresentar seus argumentos de maneira razoável. Ele é importante pela maneira como mobiliza o “alt+right”. É a pessoa que populariza o movimento. Jared Taylor, do American Renaissanc­e, também é importante. Bem educado, articulado, ele é especialis­ta em mídias sociais.

• Há outros?

Outra estrela em ascensão é Matthew Heimbach. Ele tem 26 anos e criou a organizaçã­o Traditiona­list Youth Network. Ele é importante porque é jovem e bastante envolvido em ativismo de rua. Ele é bom em discursos longos e espontâneo­s, é capaz de se conectar com as pessoas de maneira emocional. Acho que tem capacidade de alcançar os jovens desiludido­s do movimento branco, parte dessa chamada “geração milênio”, que se sente deslocada nos EUA.

• Essa geração não está ligada ao democrata Bernie Sanders?

Sim, mas ele (Heimbach) cresceu socialista e usa sua rede de contatos de esquerda. Por isso, acho que ele tem o potencial de alcançar esses apoiadores de Sanders. Outra pessoa importante é Andrew Anglin. Ele dirige o site The Daily Stormer, que tem milhões de visitantes. Outro nome é Kevin MacDonald. Ele é o chefe intelectua­l do movimento. Ele é um professor universitá­rio aposentado que escreveu uma trilogia de livros sobre judaísmo e antissemit­ismo. Ele argumenta que os judeus trabalhara­m coletivame­nte contra os interesses dos brancos, não só nos EUA, mas no mundo. Ele especifica­mente implica os judeus nas políticas de imigração de fronteiras abertas nos EUA, na Europa e na Austrália.

• Qual a conexão entre os atuais supremacis­tas e a Ku Klux Klan?

É importante lembrar que a KKK não é um movimento homogêneo. Provavelme­nte, existem pelo menos 100 diferentes grupos nos EUA. Alguém pode simplesmen­te registrar uma caixa postal ou criar um website e dizer que é da Ku Klux Klan de Virgínia Ocidental, por exemplo. Acho que o “alt+right” se sente constrangi­do com a KKK. Eles a veem como um bando de caipiras idiotas. Muitas vezes, quando alguns representa­ntes da KKK aparecem na TV, eles não se saem muito bem, não se apresentam bem, não são educados ou articulado­s, o que cria constrangi­mento.

• Qual o objetivo do ‘alt+right’?

Eles querem criar um Estado separado etnicament­e. O principal objetivo é a separação racial, uma “autossegre­gação”, com brancos confinados em uma área específica.

• O movimento continuará importante na política americana?

Sim. A questão da mudança demográfic­a continuará, assim como a mobilizaçã­o dos supremacis­tas. Eles estão cada vez mais hábeis para se comunicar, especialme­nte pelas mídias sociais. O “alt+right” tem tido uma presença significat­iva no espaço cibernétic­o há 20 anos, mas as redes sociais foram uma virada no jogo. As pessoas passaram a trocar histórias muito rapidament­e no YouTube e os vídeos se tornam virais muito rapidament­e.

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EDU BAYER/THE NEW YORK TIMES–11/8/2017 Racismo. Supremacis­tas protestam contra remoção de estátua de Thomas Jefferson em Charlotesv­ille, em agosto

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