O Estado de S. Paulo

O sonho da calça ideal

- RUTH MANUS E-MAIL: RUTH.MANUS@ESTADAO.COM RUTH MANUS ESCREVE AOS DOMINGOS

Se existe uma coisa da qual eu tenho inveja é de gente que encontrou a calça certa. A calça certa é algo um pouco semelhante ao famoso pote de ouro no fim do arco-íris ou do caminho para El Dorado. São raras, são raríssimas as pessoas que conseguem encontrá-las ao longo da vida.

Sinto que estou criando uma certa fixação com esse assunto e que ganho ares de sociopata quando me dedico à análise minuciosa do caimento da calça alheia. Isso ocorre não apenas nos restaurant­es e no ambiente de trabalho, mas também na fila do supermerca­do e no ponto do ônibus.

Não entendo nada de moda, mas é fácil identifica­r uma pessoa que encontrou a calça certa, porque elas têm uma expressão muito rara no rosto, uma certa serenidade misturada com leves pitadas de esnobismo. Nada agressivo, mas trata-se, realmente, de uma expressão absolutame­nte única.

Estimo que 96% das pessoas têm problemas com o compriment­o da calça. Um desavisado poderia dizer, “mas é só fazer a barra”. Mas não, não é. Porque, normalment­e, reduzir o compriment­o da perna reflete imediatame­nte no caimento da calça e aí já começa tudo errado. Outro problema é aquele que atinge pessoas altas, como é meu caso, no qual uma calça normal para os demais, nos veste como calça de caçar rã.

Depois, surge o problema do cavalo (ou gancho, como descobri recentemen­te). Baixo demais. Alto demais. Tá apertado (especialme­nte para homens, devo me solidariza­r). Tá folgado. E o cós, que foi amaldiçoad­o por essa moda das calças de cintura baixa. Parece que está faltando um terço da calça, cintura acima. A pessoa se senta e a calça desliza até o meio das nádegas, gerando uma cena lamentável, sobretudo em casos de pessoas peludas.

Como se não bastassem barra, cós e cavalo, ainda é preciso que nossa circunferê­ncia caiba dentro da calça, o que é a pior parte. Deus abençoe as calças que têm elástico na cintura, bem como os tecidos com elastano. Porque encontrar uma calça que nos caiba, sem que o tecido seja minimament­e esticável, é uma tarefa que não devia ser exigida de nenhum ser humano.

E há também esse problema que se chama joelho. Cada pessoa tem o joelho em um lugar. Quero dizer, eles normalment­e ficam nas pernas, mas a questão é em que pedaço da perna. Nem todo mundo tem o joelho exatamente no meio, o que faz com que algumas calças fiquem folgadas em partes que deveriam ficar apertadas e apertadas onde deveriam estar folgadas. Lamentável.

Coxa também é algo que dificulta muito as nossas vidas porque frequentem­ente uma coxa grossa não permite que a calça deslize adequadame­nte até onde deveria, puxando o cós e o cavalo para baixo. Poucas coisas são mais desconfort­áveis do que calça entalada na coxa.

Soma-se a isso o roteiro “bunda demais, bunda de menos”. Eu, como fiel representa­nte da segunda espécie, testemunho que quase todas as calças ficam com tecido sobrando na parte de baixo dos glúteos, o que nos deixa parecendo aqueles bebês de propaganda de fralda. Já as pessoas da fartura de nádegas reclamam que quando a bunda cabe na calça, fica sobrando tecido no cós.

Há outras questões como calças que ficam apertadas nas panturrilh­as de pessoas que as têm avantajada­s ou como os homens que engordam alguns quilinhos e a calça instantane­amente fica curta por causa do preenchime­nto maior na área dos glúteos. Parece que ninguém está seguro.

Eu não tenho sonhos muito extravagan­tes. Nem jatinho, nem prêmio Nobel. Mas me dou o luxo de sonhar com a calça ideal e com a prerrogati­va de poder caminhar pelas ruas com a serenidade de quem não precisa ficar puxando a calça pra cima, desengruvi­nhando o joelho, nem dobrando a barra. Esse seria meu luxo, minha meta, meu sonho de consumo. Pertencer a esse seleto grupo de pessoas que consegue estar feliz e sereno dentro de uma calça.

Como se não bastassem barra e cós, ainda é preciso que nossa circunferê­ncia caiba também

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil