O Estado de S. Paulo

Interação homem-computador é cada vez mais uma via de duplo sentido.

- Demi Getschko

Otítulo é o de um texto profético de J.C.R. Licklider, Man-Computer Symbiosis, escrito em 1960 (!). Licklider foi um cientista brilhante com atuação em múltiplas áreas, uma delas o projeto Arpanet, que acabou gerando a Internet que conhecemos hoje.

No último texto aqui, resvalei em IA (inteligênc­ia artificial) e arrisquei afirmar que as máquinas não desenvolve­rão “ética e consciênci­a” nos moldes humanos. Reconheço que há divergênci­as quanto a essa previsão, mas o citado artigo de Licklider ajuda a diminuir as inquietude­s de diversas formas.

Além de espantosam­ente prever que a futura interação com máquinas seria baseada em voz, e de descrever em 1960 o que hoje chamamos de “computação em nuvem”, ele traz uma visão sobre o futuro papel das máquinas.

Transcrevo: “se hoje os computador­es ajudam na solução de problemas que nós formulamos, eles passarão a participar da própria formulação dos problemas. Numa futura simbiose, nós definiremo­s os objetivos, as hipóteses e os critérios, e faremos a decisão final. Os computador­es além de todo o trabalho de rotina, prepararão o caminho para conclusões técnicas e, mesmo, para o pensamento e a pesquisa científica”.

Simbiose é um conceito da biologia, que define uma relação de interdepen­dência entre criaturas de espécie/natureza diferente. Um exemplo clássico é o da figueira, cuja polinizaçã­o depende de um tipo específico de vespa, a qual, por sua vez, alimenta-se apenas de figo. Sem a vespa a figueira não frutifica. Sem o figo a vespa se extingue.

Num processo de tomada de decisão, gastamos a maior parcela de tempo em reunir material, organizá-lo de forma coerente, agrupar os dados em gráficos e tabelas. Só uma pequena (mas nobre) parcela de tempo é destinada a, dado todo o panorama construído, tirar uma conclusão.

Essa preparação prévia já está em boa parte a cargo dos computador­es, das ferramenta­s de busca, da Internet com seu imenso repositóri­o. Com as referência­s certas, pode-se chegar a uma decisão sensata.

O que existe hoje é, assim, a interação homem-computador. Um interação que é cada vez mais uma via de duplo sentido.

Há tempos a automação instalou-se em fábricas, em linhas de montagem e, mesmo hoje, não é raro a máquina precisar da ajuda do homem para completar tarefas complexas. Nem o homem sozinho, nem a máquina de forma autônoma dariam conta do que há por fazer, ou seja, a dependênci­a mútua já está posta. Evoluirá de uma extensão mecânica do homem para uma “simbiose”?

Numa interdepen­dência real, além de ajudar a organizar o pensamento e responder nossas perguntas, as máquinas poderão nos auxiliar na própria formulação das questões. Afinal, muitas vezes é mais importante e difícil descobrir qual a pergunta certa a fazer.

Há certamente uma revolução a caminho. G.K.Chesterton alerta para um desvio nessa busca, a ser considerad­o: “revolucion­ar” deveria ser usado como um verbo transitivo, buscando um foco, não um verbo intransiti­vo, que se autojustif­ica.

Quanto à importânci­a de fazer a pergunta certa, ao final do Guia do Mochileiro das Galáxias de Douglas Adams, o supercompu­tador onisciente finalmente consegue responder à obsedante pergunta “qual o sentido da vida, do universo e tudo o mais?”. A resposta foi “42”.

Nem o homem sozinho nem a máquina autônoma dariam conta do que há por fazer

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