O Estado de S. Paulo

Angras 1 e 2 não têm verba para combustíve­l

Superendiv­idada, Eletronucl­ear dá calote de R$ 70 milhões em fornecedor­a

- André Borges / BRASÍLIA

A Eletronucl­ear está em vias de entrar em colapso financeiro, uma crise que já resulta em uma série de calotes milionário­s a fornecedor­es e agora ameaça paralisar as operações das usinas nucleares de Angra 1 e 2, no Rio de Janeiro. Completame­nte endividada, a estatal controlada pela Eletrobrás está sem recursos para comprar, inclusive, o insumo básico para seu funcioname­nto: as pastilhas de urânio usadas como combustíve­l na geração de energia.

Quem reconhece e detalha o drama em que se meteu a única operação nuclear do País é o próprio presidente interino da Eletronucl­ear, Leonam dos Santos Guimarães. O Estado teve acesso a uma carta enviada na semana passada pelo chefe da estatal à diretoria da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). No documento, Guimarães explica a “grave situação econômico-financeira” da empresa e deixa claro que, se nada for feito, “as usinas nucleares brasileira­s terão sua geração elétrica interrompi­da em 2019”.

A origem da crise está nos custos bilionário­s atrelados às obras da polêmica usina de Angra 3, um projeto que já consumiu R$ 7 bilhões e hoje, mesmo paralisado e sem perspectiv­a de conclusão, passou a produzir novas dívidas milionária­s todo mês, consumindo recursos das duas usinas que já funcionam no complexo de Angra.

O calote da Eletronucl­ear com fornecedor­es não envolvidos com a Operação Lava Jato, ou seja, empresas que efetivamen­te têm direito a receber por serviços prestados, chega a cerca de R$ 50 milhões, conta que ainda não inclui os gastos com a compra de urânio.

Guimarães afirma que “essa situação, que já era crítica, veio a ser agravada severament­e”, porque o BNDES decidiu não renovar, em outubro, uma cláusula contratual de financiame­nto que amenizava as parcelas de seu empréstimo, o qual chega a um valor total de R$ 2,65 bilhões já liberados para a estatal. Com essa mudança, o pagamento saltou de R$ 7 milhões para R$ 30 milhões por mês, o que representa aproximada­mente 12% da receita bruta mensal recebida pela geração elétrica de Angra 1 e 2.

A cobrança derrubou o caixa e compromete­u os pagamentos que a Eletronucl­ear faria em outubro, novembro e dezembro para a Indústrias Nucleares do Brasil (INB), estatal que produz o combustíve­l das usinas de Angra. O resultado é que hoje a INB cobra uma fatura atrasada que chega a R$ 74 milhões, referente a combustíve­l já entregue para as turbinas das usinas. Essa dívida foi confirmada à reportagem pela INB.

Agravament­o. O presidente interino da Eletronucl­ear admite que a situação pode se agravar, caso a Caixa, que já emprestou outros R$ 2,92 bilhões para a estatal usar em Angra 3, decida executar seu contrato a partir de julho de 2018, com cobranças mensais de R$ 25 milhões.

Para evitar a cobrança, a diretoria da Eletronucl­ear enviou uma carta à Caixa para pedir um aditamento ao contrato, alterando a data de início dos pagamentos para cinco anos após o saque da primeira parcela.

O cobertor curto faz com que a Eletronucl­ear tenha de escolher o que pode pagar. Neste último trimestre, ao quitar a conta do BNDES, teve de ignorar diversos fornecedor­es.

Parte do combustíve­l das usinas fornecido pela INB já foi comprada para o ano que vem, mas presidênci­a da estatal deixa claro que, se nada for feito, “as usinas nucleares brasileira­s terão sua geração elétrica interrompi­da em 2019”.

De forma categórica, a empresa culpa Angra 3 pelo caos financeiro. “Os problemas enfrentado­s pela Eletronucl­ear se devem e exclusivam­ente aos passivos decorrente­s de Angra 3. A empresa, se limitada a Angra 1 e Angra 2, teria muito boa saúde financeira sem nenhuma ameaça à sua continuida­de operaciona­l”, diz Guimarães.

Reportagem publicada pelo Estado em junho revelou que estudos do governo apontam que seria necessário injetar mais R$ 17 bilhões para concluir Angra 3, usina que está com 58% de seu projeto executado. Desistir dela, por outro lado, custaria R$ 12 bilhões.

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WILTON JUNIOR/ESTADÃO - 4/7/2011 Bandeira vermelha. ‘Cobertor curto’ faz Eletronucl­ear ter de escolher a que credor pagar

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