O Estado de S. Paulo

Rede, ofurô e música na UTI

Hospitais ampliam oportunida­des para pais integrarem rotina do recém-nascido internado

- Júlia Marques

Marcos e Laura dão banho de ofurô em Lucca, que nasceu de 23 semanas. Essa e outras novidades tomam conta das UTIs neonatais, que buscam proporcion­ar maior conforto aos bebês. No País, 345 mil crianças nasceram prematuras em 2016.

Dentro de um baldinho e amparado pelas mãos do pai e da mãe, o pequeno Lucca toma banho e relaxa – tanto que até faz xixi na água morna. Na UTI neonatal do Hospital São Luiz, na zona sul de São Paulo, o pai e a mãe dão risadas do pequeno feito. Um sorriso que se alarga a cada dia, à medida que o bebê se desenvolve e ganha peso.

“No primeiro mês, não consegui ter muito contato com ele”, diz o pai, Marcos Parise, de 35 anos. E a voz por pouco não é vencida pelas lágrimas. O filho do analista de sistemas e da mulher, Laura, nasceu tão pequeno que pesava menos do que uma caixinha de leite. Foram só 23 semanas de gestação até Lucca chegar ao mundo, com 720 gramas, e logo ser envolto em um emaranhado de fios e tubos para sobreviver.

Quando completou um quilo, o bebê ganhou mensagem de parabéns da UTI, e os pais tiveram, finalmente, a chance de colocá-lo no colo. “Ele segurava nos pelos do meu peito e ficava ali debruçadin­ho, dormindo tão gostoso”, diz Parise sobre o método canguru ou “pele a pele” – técnica de contato entre o corpo do bebê e o do pai ou da mãe para ajudar no desenvolvi­mento. Lucca teve alta há uma semana, após 110 dias de internação.

A prematurid­ade desafia o sistema de saúde brasileiro – da gestação, passando pela UTI até a alta dos bebês. No País, de um total de aproximada­mente 3 milhões de nascimento­s no ano passado, 345 mil (11,5%) foram prematuros, segundo pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). E a prematurid­ade é uma das principais causas de mortalidad­e nos primeiros 5 anos de vida – não só no período neonatal.

Pai. Depois de perceber que os homens reivindica­vam maior participaç­ão no cuidado dos prematuros, a UTI do São Luiz no Itaim-Bibi, na zona sul, instituiu neste ano o domingo como o dia do pai. Lá e na unidade Anália Franco, na zona leste, o cuidado com o bebê é exclusivo dos homens aos domingos: eles trocam fraldas, dão banhos e põem a criança no colo.

O caso do São Luiz não é o único. UTIs neonatais de São Paulo apostam em práticas para integrar a família, aumentar o vínculo com o bebê e acelerar o desenvolvi­mento. O conforto do prematuro é outra meta. Para isso, as unidades aplicam técnicas que simulam o tempo no útero. Redes dentro da incubadora e banho de balde (ou ofurô) estão entre os cuidados.

“Os pais queriam se envolver mais. Por que não criar um momento só para eles?”, indaga Graziela Lopes del Ben, médica responsáve­l pela neonatolog­ia do São Luiz.

Na Maternidad­e Pro Matre Paulista, na região central, o vínculo paterno também é estimulado. “Temos um número grande de bebês de gestações gemelares e os pais se revezam. Cada vez é mais frequente”, diz Edineia Lima, neonatolog­ista e chefe da UTI neonatal.

Família. A Pro Matre também permite a visita dos avós aos bebês sempre que as ondas de viroses dão uma trégua. Os avós dos trigêmeos recém-nascidos Vinicius, Barbara e Melissa não abrem mão de ver os pequenos. “São os primeiros netos. Todo dia de visita é sagrado. Meu pai (avô das crianças) até me cobra”, diz a mãe Sheila Berton, de 44 anos.

Quem ainda marca presença nas UTIs é o irmão ou irmã do bebê. No Hospital Albert Einstein, na zona oeste, as crianças podem conhecer o caçulinha prematuro. “Elas ainda penduram um desenho na incubadora como presente para o irmãozinho que chegou”, diz Romy Zacharias, coordenado­ra da UTI neonatal do Einstein.

A mesma prática é feita no Hospital Metropolit­ano, na zona oeste. “Mamãe, elas são muito pequeninin­has”, disse Rogério, de 8 anos, ao ver as irmãs pela primeira vez na UTI. “Ele estava ansioso e preocupado. Conversava com elas na minha barriga”, lembra a coordenado­ra de vendas Kemely Cardoso, de 33 anos, mãe de Rogério e das gêmeas Mariah e Sophia.

Conforto. Na UTI neonatal do Hospital da Luz, na zona sul, é a música clássica que embala, desde março, o sono dos recém-nascidos. “A música estimula a linguagem, a emoção. E ajuda os pais, quebra o gelo da

UTI”, explica Talita Amanda Germano, enfermeira supervisor­a do setor na unidade.

“Os bebês ficam calmos e acabam dormindo. Nós também ficamos mais aconchegad­os”, diz a consultora de óptica Priscila Trajano, de 24 anos, que bate ponto todos os dias no hospital. Mãe de gêmeos, Priscila se divide entre os cuidados com Heitor, que ainda está internado, e Miguel, que já ganhou alta. O difícil, relata a mãe, é voltar para casa no fim do dia sabendo que um dos filhos ainda está no hospital.

Para confortar os pais, a enfermeira neonatolog­ista Adriana Moreira, do Hospital Geral de Pedreira, na zona sul, confeccion­a travesseir­os que simulam o antebraço da mãe. Os objetos são colocados dentro das incubadora­s. “O primeiro contato do travesseir­o é com a mãe. O cheiro e o toque ficam com a criança.” A unidade ainda põe os bebês sobre redinhas penduradas nas incubadora­s – que trazem a sensação dos movimentos no útero – e dá banho de ofurô para relaxar.

“A UTI é hostil, tem barulho e luminosida­de. E a criança é afastada da mãe porque fica muito tempo internada. Buscamos formas de mudar isso.” Adriana Moreira

ENFERMEIRA DO HOSPITAL GERAL

DE PEDREIRA, NA ZONA SUL

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JF DIORIO/ESTADÃO
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FOTOS JF DIORIO/ESTADÃO Ofurô. Mãe e pai dão banho de balde no pequeno Lucca na UTI neonatal; bebê teve alta após 110 dias de internação
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Pele a pele. Sheila acolhe Vinicius, que nasceu prematuro

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