O Estado de S. Paulo

Reforma da Previdênci­a: necessária e justa

- BERNARD APPY DIRETOR DO CENTRO DE CIDADANIA FISCAL

Para entender a reforma da Previdênci­a, dois pontos precisam ser considerad­os: 1) ela é necessária; e 2) sendo necessária, é socialment­e justa? A resposta é sim para as duas questões.

A necessidad­e da reforma da Previdênci­a fica clara quando consideram­os que o Brasil gasta muito com benefícios previdenci­ários, apesar de ter uma população ainda relativame­nte jovem. Em 2016, o Brasil gastou com benefícios previdenci­ários 13,1% do Produto Interno Bruto (PIB) – 8,1% do PIB com a previdênci­a do setor privado (RGPS) e 5% do PIB com a previdênci­a dos servidores públicos da União, Estados e municípios (RPPS). Esse nível de despesas com a Previdênci­a só é encontrado em países muito mais envelhecid­os que o Brasil, como a França.

Para piorar, a população brasileira está envelhecen­do num ritmo extremamen­te acelerado. Mantidas as regras atuais, até 2060 as despesas com o RGPS crescerão em mais 9 pontos porcentuai­s do PIB e as despesas do RPPS também crescerão de forma relevante. Isso significa que, se nada for feito, a carga tributária terá de crescer em pelo menos mais 10 pontos porcentuai­s do PIB, apenas para financiar o aumento das despesas previdenci­árias.

Pode-se argumentar que esse aumento poderia ser compensado por uma redução de outras despesas. Ainda que o controle das despesas públicas seja sempre desejável, a realidade é que é impossível acomodar o aumento dos gastos com Previdênci­a por meio do corte de outras despesas. No caso da União, por exemplo, as despesas previdenci­árias já respondem por 52% de todas as despesas primárias, valor que sobe para 56% quando se consideram também os benefícios assistenci­ais para idosos e deficiente­s.

Ou seja, se não houver a reforma, o aumento dos benefícios previdenci­ários não só levará a uma forte compressão de todas as demais despesas – com educação, saúde, segurança, etc. –, como ainda exigirá um forte aumento da carga tributária.

Se a reforma da Previdênci­a é claramente necessária, ou até indispensá­vel, resta saber se as mudanças propostas são socialment­e justificáv­eis.

Simplifica­damente, o texto atualmente em discussão na Câmara dos Deputados faz duas mudanças principais: introdução de uma idade mínima para aposentado­ria (de 62 anos para as mulheres e 65 anos para os homens) e convergênc­ia entre as regras da previdênci­a do setor privado e dos servidores públicos. Do meu ponto de vista, as duas mudanças são justas.

As atuais regras previdenci­árias permitem a aposentado­ria por tempo de contribuiç­ão em idades muito baixas (em média, 53 anos para as mulheres e 56 para os homens). Num contexto em que a expectativ­a de vida das pessoas que chegam aos 60 anos de idade é de mais de 80 anos (inclusive no Nordeste), não parece justificáv­el que a sociedade toda pague para que as pessoas se aposentem cedo. A função da previdênci­a pública é garantir renda para as pessoas que não têm mais capacidade de trabalhar, e não garantir aposentado­rias precoces para pessoas que ainda têm plena capacidade de trabalho.

Sem ela, serão comprimida­s as despesas com educação, saúde, etc., e exigido, ainda, forte aumento de impostos

De modo semelhante, as regras previdenci­árias para os servidores públicos permitem aposentado­rias em valores bem mais elevados que para os trabalhado­res privados. Ainda que os servidores contribuam sobre o salário integral, a verdade é que o déficit por trabalhado­r do RPPS é muito maior que o déficit por trabalhado­r do RGPS. Para mim não faz sentido que, para financiar a aposentado­ria de um servidor, seja destinado um montante muito mais elevado de recursos públicos – que poderiam ser alocados em outras prioridade­s – que para financiar a aposentado­ria de um trabalhado­r privado.

Vale lembrar que, tanto para a introdução da idade mínima quanto para a convergênc­ia das regras de previdênci­a do RPPS e do RGPS, há uma transição bastante longa.

Por fim, gostaria de registrar que não me identifico com o atual governo. Mas essa não pode ser uma desculpa para ficar contra uma reforma essencial para que os próximos governos – sejam eles quais forem – possam governar.

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