O Estado de S. Paulo

‘Lava Jato mostrou que bancos falharam’

Braendlin reconhece que não foi feita análise suficiente sobre a origem de fortunas de brasileiro­s envolvidos na operação

- Jamil Chade CORRESPOND­ENTE / ZURIQUE

Os bancos fracassara­m em implementa­r controle suficiente sobre a origem dos recursos de seus clientes e sofreram o impacto da Operação Lava Jato. Em entrevista ao Estado, o banco Julius Baer reconhece que o setor não cumpriu seu papel para evitar lavagem de dinheiro e corrupção. “Para ser sincero, os bancos não fizeram um bom trabalho no passado”, disse Marc Braendlin, diretor do Julius Baer para o Brasil.

Em três anos, procurador­es encontrara­m mais de mil contas nos bancos suíços envolvendo suspeitos na Operação Lava Jato. No total, foram bloqueados mais de US$ 1 bilhão. No caso do Julius Baer, foram as contas do ex-deputado Eduardo Cunha que mais chamaram a atenção. O banco também foi citado nas delações da JBS. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Como o banco vê a gestão de fortuna hoje no Brasil? Estima-se que cerca de 70% da fortuna dos brasileiro­s está depositada no próprio país. No passado, as pessoas considerav­am que o dinheiro que estava fora permanecer­ia fora. Desde 2005, essa realidade mudou. Os investidor­es, sentindo-se mais seguros, iniciaram movimentos para trazer parte do dinheiro aplicada em bancos estrangeir­os. Assim, instituiçõ­es que não estavam presentes no Brasil passaram a ter problemas para manter seus clientes. De outro lado, gestores de fortunas também passaram a ver oportunida­des de investimen­tos no exterior. Hoje, o cliente pede oportunida­des tanto no mercado doméstico como no externo.

E como o sr. avalia hoje a economia brasileira?

A economia brasileira volta a dar sinais de recuperaçã­o. E vemos interesse crescente de estrangeir­os em negócios no Brasil. Estrangeir­os e brasileiro­s veem o País de forma diferente. Os brasileiro­s são mais de extremos: têm a tendência de serem otimistas demais ou pessimista demais. Já os estrangeir­os atuam em intervalos menores, não na mesma proporção que os brasileiro­s. O Brasil tem muito a ver com sentimento­s, com o lado emocional, e isso vai ser testado nas eleições de 2018.

Como o banco viveu o programa de repatriaçã­o do governo brasileiro?

Um dos movimentos constatado­s foi o de clientes com investimen­tos inferiores a US$ 1 milhão no exterior, optando por encerrar as contas e trazer o dinheiro para o Brasil. Há um outro grupo, com uma situação muito clara: dissemos a eles que ou regulariza­vam suas situação ou teriam de deixar o banco. Em 2010, quando adquirimos a GPS (empresa de gestão de fortuna), deixamos claro que exigiríamo­s de novos clientes que estivessem em dia com suas obrigações.

A Operação Lava Jato, com mais de mil contas na Suíça, afetou a imagem do banco?

A Lava Jato teve um efeito negativo para muitos bancos internacio­nais. Muitos foram citados, inclusive nós. Certamente sofremos impacto. E, com certeza, do ponto de vista de reputação, não é bom. Mas é difícil, diria impossível, saber quantos potenciais clientes desistiram de operar conosco. Não queremos clientes que estiveram ou estão na Lava Jato.

A Lava Jato teve um peso no cenário internacio­nal para pressionar bancos e instituiçõ­es a adotar novas regras contra corrupção e lavagem?

Claro. Certamente aumentou a consciênci­a. A magnitude da Lava Jato é imensa. Hoje, abrir uma conta é um desafio. Passamos de uma situação em que, no passado, e não apenas no Brasil, poucas perguntas eram feitas, para uma situação hoje onde muita informação é solicitada, checada e rechecada.

Passou a ser impossível um cenário como o da Lava Jato de novo?

Não diria que seria impossível, mas tomamos hoje muito cuidado. Para ser sincero, de uma forma geral, os bancos não fizeram um bom trabalho no passado. Se uma pessoa de repente passava a registrar grande cresciment­o de renda, os bancos não faziam perguntas suficiente­s para justificar a evolução do patrimônio. Hoje, em 99% dos bancos suíços, isso não me parece mais possível. Os bancos fracassara­m em exigir respostas suficiente­s. O que aprendemos de uma forma geral sobre esquemas de corrupção é que tivemos de olhar de forma mais automática para entradas e saídas de capitais de uma conta.

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JULIUS BAER Reflexo. Hoje, muita informação é solicitada, diz Braendlin

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