Anri Sala abre mostra no IMS
Artista albanês põe Schoenberg e The Clash em sua obra
Há exatamente um século, em 1917, o compositor austríaco Arnold Schoenberg (1874-1951) fez um novo arranjo para orquestra de uma peça sua para sexteto de cordas que ganharia ainda outra revisão, em 1943, Verklärte Nacht (Noite Transfigurada), obra baseada no poema homônimo de Richard Dehmel. Nesta terça-feira, 12, no Instituto Moreira Salles, o artista albanês Anri Sala se apropria da peça de Schoenberg em sua videoinstalação O Momento Presente (The Present Moment,(2014), apresentada pela primeira vez no Brasil, país que Sala já conhece por causa das duas bienais de São Paulo das quais participou (de 2002 e 2010). Assim como Verklärte Nacht representou a reconciliação do atonal Schoenberg com seu lado romântico, brahmsiano, a instalação funciona para Sala como uma parábola sobre o tempo presente, segundo definiu em entrevista ao Caderno 2.
A própria obra de Schoenberg descreve essa interpenetração de tempos distintos ao eleger um poema que fala de um casal caminhando num bosque e cruzando passado, presente e futuro ao imaginar como será a vida do bebê que a mulher (cheia de culpa) traz dentro de si. Sua construção musical, num único andamento, deve muito ao leitmotiv wagneriano. Sendo uma obra descritiva, ela convida o ouvinte a reconstruir mentalmente o ambiente da noite transfigurada. Sala busca justamente essa correspondência visual da ordem harmônica musical de Schoenberg, conduzindo o espectador pela sala ao som de Verklärte Nacht.
O artista, aos 43 anos, justifica a aposta que os principais críticos europeus fizeram ao promover sua carreira, escolhendo Sala, por exemplo, como representante da França na Bienal de Veneza em 2013 (em 2001, ele foi considerado o artista revelação da 49.ª edição da mostra internacional). A propósito, ele julga superado o modelo adotado por Veneza (a separação por países). Considera a bienal de São Paulo mais contemporânea. “Fiquei impressionado com o número de crianças e estudantes que frequentam a mostra aqui”, diz.
A exposição de Anri Sala no Instituto Moreira Salles é a segunda etapa de uma mostra que começou no ano passado, no IMS do Rio de Janeiro. Agora, ela vai ocupar dois andares do IMS paulista. Hoje, às 19 horas, Anri Sala inaugura, com uma conversa entre ele e a curadora da mostra, Heloisa Espada, a videoinstalação O Tempo Presente, que tem música de Schoenberg. Em janeiro, o outro andar será ocupado com instalações sonoras mais antigas, duas delas com música da banda punk britânica The Clash (Le Clash, de 2010, e Tlatelolco Clash, de 2011). Numa outra instalação, Long Sorrow (2005), o saxofonista de jazz norte-americano Jeeel Moondoc toca seu instrumento na parte externa do 18.º andar de um prédio em Berlim, interagindo com sons urbanos (sinos, buzinas, etc.).
Outra videoinstalação sonora da mostra é Answer Me (2008), sobre a incomunicabilidade de um casal. A mulher tenta falar e o homem responde com estridentes solos de bateria. Detalhe: as imagens foram filmadas numa geodésica desenhada por Buckminster Fuller, em 1963, para servir de estação de escuta e espionagem dos EUA na antiga Berlim Ocidental, monitorando o bloco soviético.
Ainda que se possa fazer uma leitura política dessa falta de diálogo – e não se deve esquecer que Anri Sala foi criado numa Albânia comunista –, o artista esclarece que a influência do cineasta italiano Michelangelo Antonioni pesou mais que o conflito ideológico. “Claro, meu interesse por política pode ser atestado por um vídeo como Intervista, que realizei em 1998, mas Antonioni e a questão da incomunicabilidade pesaram mais.” Nesse vídeo, Sala confronta a própria mãe, vista, eufórica, discursando, aos 20 anos, num congresso comunista. Ele achou uma cópia do filme em 16 milímetros durante a mudança da família, mas o som estava perdido. Sala levou-o, então, a uma escola de surdos, que conseguiram decifrar seu conteúdo, lendo os lábios da mãe do artista.
“Devo lembrar também que a videoinstalação com a peça de Schoenberg, autor cuja execução pública era proibida pela censura hitlerista, foi apresentada há dois anos na Haus der Kunst em Munique, que foi construída como uma estrutura arquitetônica de propaganda nazista”, diz Anri Sala, reforçando sua intenção de questionar o presente por meio de uma peça musical que discute temporalidade e transcendência. “Claro, eu uso de maneira irônica o sistema de organização taylorista, ao mostrar a repetição de gestos dos músicos associada à partitura”, observa, concluindo que seu interesse é semelhante ao do cineasta russo Tarkovski, que queria esculpir o tempo com imagens de cinema.