‘Debate está atrasado duas décadas’
Para Marcos Lisboa, sociedade adiou demais discussão sobre a crise fiscal; especialistas concordam que a reforma atual não é suficiente
O Brasil está atrasado duas décadas no debate sobre a Reforma da Previdência, disse ontem o economista Marcos Lisboa, presidente do Insper, no Fórum Estadão que debateu o tema no auditório do jornal.
Para ele, parte da responsabilidade da crise fiscal é da própria sociedade por adiar o debate. “Nossa irresponsabilidade nesses 20 anos está custando caro para o País”, disse. “Há Estados com dificuldade na política pública mais elementar, dificuldade para comprar remédio. Parte da responsabilidade é nossa, como sociedade, por termos postergado tanto esse tema (a reforma)”, afirmou.
Segundo ele, o Estado do Rio de Janeiro, em que os funcionários públicos recebem seus salários atrasados há mais de um ano, é o caso mais evidente. “A crise do Rio é uma crise da previdência dos servidores e há muitos anos se sabia que o Estado ia quebrar”, disse. “Ao invés de enfrentar o problema, a sociedade apoiou medidas paliativas.” Entre elas, a venda de royalties de petróleo para pagamento de despesa corrente.
Lisboa disse ainda que, apesar de a relação dívida/PIB ter crescido de forma acelerada nos últimos anos (de dezembro de 2014 para cá, a dívida saltou de 56,3% do PIB para quase 75%), o governo federal não começou a debater o ajuste fiscal de curto prazo, de cerca de R$ 3 bilhões.
Caso a Reforma da Previdência não avance no Congresso agora, o já complicado quadro fiscal do País deve se deteriorar ainda mais, segundo o economista. “Se paramos de fazer as reformas, inclusive a da Previdência, nos metemos em uma armadilha”, disse. “A doença fica mais séria.”
Diante desse cenário, os participantes do debate concordaram que a reforma da Previdência em tramitação no Congresso Nacional não será suficiente (leia mais na página H6). José Márcio Camargo, professor da
PUC-SP, afirmou que, possivelmente, o próximo governo já terá de propor novas alterações. “Teremos de fazer outra reforma”, disse.
Entre as despesas que ficaram fora da conta, diz Camargo,estão as despesas com a Previdência rural, 14 vezes maiores do que a receita. Além disso, só 49% dos ocupados pagam a Previdência por ser caro e complicado.
“Qualquer cidadão brasileiro, aos 65 anos ,tem aposentadoria garantida, desde que prove que não tem outra fonte de renda”, diz ele. “Ou seja, é só ficar desempregado e todo mundo ganha um salário mínimo.” Esse desincentivo à contribuição foi mantido.
Futuro. Paulo Tafner, pesquisador da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), disse que as contas da Previdência ficarão mais no negativo nos próximos anos caso não haja alterações. Isso porque hoje, para cada trabalhador aposentado, há 4,7 na ativa. Essa proporção vai cair para 1,6 em 2060.
Tafner apontou também que o sistema previdenciário brasileiro apresenta desajustes como a aposentadoria precoce – em alguns casos, abaixo dos 50 anos de idade –, a falta de limites para pagamento de pensões, a permissão ao acúmulo de benefícios e a reposição da renda em um patamar acima da média do de outros países. “Gastamos demais (com previdência), porque nossas regras estão erradas”, disse.
Moeda de troca. O economista Marcos Lisboa afirmou ainda que se surpreende com a postura de parte do Congresso, cujos parlamentares usam a reforma da Previdência como moeda de troca. “A gente vai aceitar que parlamentar fale: ‘a reforma é importante, mas eu vou apoiar desde que...’ Como é isso? Cadê a responsabilidade?”, questionou. Segundo levantamento do Estadão, o governo federal já comprometeu R$ 43 bilhões para aprovar o texto.
“A gente não é um País pobre à toa. A gente faz muito esforço para ser pobre”, disse Lisboa. “E o desequilíbrio das contas publicas é parte disso.”