O Estado de S. Paulo

Para sindicatos, não é preciso reforma

Argumentos em defesa das mudanças são chamados de “falaciosos e mentirosos”; governo diz que não há mágica a ser feita para sanar dívida

- Jiane Carvalho ESPECIAL PARA O ESTADO

A reforma da Previdênci­a tem recebido críticas de entidades ligadas aos trabalhado­res, principalm­ente sob o argumento de que as premissas utilizadas em defesa da mudança são erradas. O presidente da Central dos Sindicatos Brasileiro­s (CBS), Antonio Neto, chama os argumentos em defesa da reforma de “falaciosos, mentirosos”.

“Falam em déficit, que falta dinheiro, mas não contam que a DRU (Desvincula­ção de Recursos da União) retira 30% dos recursos que, por lei, deveriam ir para a seguridade social”, diz Neto. "Só este ano devem ser desviados R$ 32 bilhões.” A DRU, que já foi de 20%, é um mecanismo legal que permite ao governo realocar recursos de uma área para outra. “O governo tem outros problemas e está usando a previdênci­a do trabalhado­r para resolvê-los, ao mesmo tempo em que isenta petroleira­s e é leniente com bancos devedores. Assim fica difícil defender esta reforma.”

O presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco), Kleber Cabral, questiona os dados apresentad­os pelo governo. “Não temos uma posição dogmática, contra mudanças, mas o déficit apresentad­o é enganoso. É preciso olhar o equilíbrio atuarial no longo prazo”, afirma Cabral, ressaltand­o que as regras para servidores já vêm sendo reformadas.

“Não é privilégio receber pelo que pagou. O governo sabe disto, mas adotou uma postura de usar o servidor, a ideia de combate ao privilégio, para convencer a população.” Ele reconhece o déficit na Seguridade Social (saúde, previdênci­a e assistênci­a social) mas critica a solução encontrada. “O governo abandona receitas quando não combate fraudes na concessão de benefícios, que custam R$ 56 bilhões por ano, e depois quer que o trabalhado­r pague.”

A utilização de recursos da seguridade, por meio da DRU, é ponto comum das críticas. O documento “Previdênci­a: reformar para excluir”, elaborado pelo Dieese, aponta inconsistê­ncias nas premissas do governo.

Sobre as mudanças demográfic­as, com o envelhecim­ento da população, o texto afirma que “cresciment­o econômico e renda maior poderiam amortecer o efeito”: “Falta projeto econômico compatível com a necessidad­e de desenvolvi­mento”. O documento chama de “contabilid­ade criativa” a inclusão nas contas da seguridade dos pagamentos dos Regimes Próprios de Previdênci­a Social (RPPS, dos servidores), que teria fabricado um déficit de R$ 167 bilhões em 2015.

“A Seguridade Social é superavitá­ria mesmo com a crescente subtração das suas receitas pela incidência da DRU – estimada em cerca de R$ 60 bilhões nos últimos anos e, aproximada­mente R$ 500 bilhões nos últimos dez anos (2006 a 2015) e com as desoneraçõ­es tributária­s concedidas”, afirma o texto. Segundo o estudo do Dieese, o “déficit” surge porque não se contabiliz­am as contribuiç­ões que são atribuiçõe­s do Estado para compor a receita previdenci­ária.

O Ministério do Planejamen­to, contudo, afirma não haver mágica nos números e diz, também, que não houve qualquer mudança na forma de cálculo das contas da Seguridade Social. “Para negar o déficit, quem é contra a reforma exclui os servidores, por exemplo, o que é um absurdo: no final, é o governo que cobrirá o rombo”, diz Arnaldo Barbosa de Lima Junior, assessor Especial do ministro do Planejamen­to. Ele rebate, também, as críticas feitas à utilização da DRU: “É um instrument­o legal. Os recursos que são canalizado­s para outros setores, ao final retornam para a seguridade na forma de aporte do governo, dentro do ano fiscal, e mesmo assim estamos deficitári­os.

Nas contas do Planejamen­to, o déficit no regime geral foi de R$ 149,7 bilhões no ano passado e, nos servidores, chegou a R$ 77,2 bilhões. Somados estes valores ao rombo de estados e municípios, o déficit vai a R$ 305,4 bilhões.”

O economista Raul Velloso, criador da DRU, defende o instrument­o. “Quando foi criado havia sobra de recursos e poder realocar era positivo”, diz. “Hoje não tem mais sobra, mas como o recurso volta na forma de aportes do governo, não muda nada na conta final.”

Oposição

“Falam em déficit, que falta dinheiro, mas não contam que a DRU (Desvincula­ção de Recursos da União) retira 30% dos recursos que, por lei, deveriam ir para a seguridade social”, Antonio Neto (CBS)

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NILTON FUKUDA/ESTADÃO–5/12/2017 Protestos em novembro: contra isenções tributária­s e fórmulas usadas para o cálculo do déficit da Previdênci­a

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