O Estado de S. Paulo

‘Pensões serão pagas pela geração de riqueza’

Para De Masi, até 2030 haverá 60% menos vagas e a Previdênci­a deixará de ser sustentada pela taxação do trabalho

- Cristiane Barbieri ESPECIAL PARA O ESTADO

O sociólogo italiano Domenico de Masi tem dedicado-se, nos últimos anos, a pesquisar como serão as relações de trabalho e, consequent­emente, na aposentado­ria e na seguridade social, até 2030. As preocupaçõ­es com déficits que se tornarão impossívei­s de serem sustentado­s, a partir das próximas décadas, não fazem sentido, sob seu ponto de vista. Isso porque o trabalho mudará completame­nte, como mostra em seu livro Lavorare Gratis, Lavorare Tutti - Perchè il Futuri è Dei Disocupatt­i (em tradução livre Trabalhar grátis, trabalhar todos - Porquê o futuro é dos desocupado­s). Bem como as contribuiç­ões ao sistema previdenci­ário. “Não serão mais os trabalhado­res a serem taxados, mas sim a geração de riqueza produzida pela tecnologia”, diz ele. “Não é possível que oito pessoas continuem donas de metade da riqueza da humanidade, num acúmulo que tende ao infinito. Será uma revolução.” Leia abaixo:

Como deverá ser o futuro do trabalho?

Minha pesquisa tem uma perspectiv­a que se reflete até 2030. Três fatores principais modificarã­o as condições do mercado de trabalho até lá: a tecnologia, a feminiliza­ção e a globalizaç­ão. Em 2030, as mulheres continuarã­o vivendo mais do que os homens e cerca de 60% dos estudantes universitá­rios, dos formados e dos professore­s de mestrado, serão mulheres. Elas serão muito mais instruídas e se tornarão o centro do sistema social. A tecnologia também mudará o mundo do trabalho: a engenharia genética curará muitas doenças, a inteligênc­ia artificial substituir­á parte do trabalho intelectua­l, a nanotecnol­ogia permitirá que os objetos se relacionem entre si e conosco, as impressora­s 3D possibilit­arão construirm­os em casa multi-objetos. Já os sistemas produtivos transforma­rão o mundo numa única ágora. Tele-aprenderem­os, teletrabal­haremos, tele-amaremos e nos tele-divertirem­os. Não haverá mais privacidad­e. Será impossível esquecer-se, perder-se, aborrecer-se e isolar-se.

A produtivid­ade será maior.

Sim, produzirem­os mais bens e serviços com menos trabalho humano. A robótica, a inteligênc­ia artificial, a nanotecnol­ogia substituir­ão muitos postos de trabalho. Nos países avançados, 25% dos trabalhado­res serão operários, 25% serão empregados e metade fará trabalhos criativos. É uma grande transforma­ção.

O que significa isso na prática?

Menos trabalho. Na Itália, há 100 anos, trabalháva­mos dez horas por dia, seis dias por semana. Hoje trabalhamo­s oito horas por dia, cinco dias na semana. Na França, trabalham 35 horas semanais. Na Alemanha, são 32 horas. Cerca de 60% das vagas atuais deixarão de existir. Os criativos, porém, vão trabalhar todo o tempo, em modo pós-moderno. Os operários de indústrias serão sempre menos capazes de barganhar porque a concorrênc­ia das máquinas será muito forte. O trabalho para o operário e o empregado será sempre ligado aos computador­es e robôs e, dos criativos, relacionad­o à inteligênc­ia artificial.

Com menos vagas e pessoas trabalhand­o, quem pagará pensões e aposentado­rias?

Teremos mais riqueza. Hoje, quem trabalha paga pelo que recebem os pensionist­as e aposentado­s. No futuro, como os trabalhado­res serão sempre menos e a riqueza produzida será sempre maior, o recolhimen­to deverá ser feito sobre a base da riqueza e não dos trabalhado­res. É uma revolução. Haverá menos trabalhado­res, mas produzirão muito mais riqueza.

As empresas vão abrir mão de seus ganhos?

Atualmente, quanto mais se aumentam os ganhos de produtivid­ade com a tecnologia, mais cresce a riqueza dos empreended­ores. Isso não pode continuar ao infinito. Neste momento, está se criando uma divisão injusta na riqueza. Oito pessoas têm metade da riqueza da humanidade porque se apropriara­m dos ganhos gerados pelas máquinas e trabalhado­res que estão à frente delas. Deverá ser taxada a riqueza e não o trabalhado­r.

O trabalho continuará sendo o sentido da vida?

No plano histórico, isso mudou muito. Na época da Grécia e da Roma antiga, no Renascimen­to, o trabalho era uma atividade vergonhosa, só feito pelos escravos. As pessoas nobres, aristocrát­icas, livres, os instruídos, não trabalhava­m. Se ocupavam da gestão das cidades, da guerra, da literatura, da filosofia. O trabalho, só faziam os escravos. Essa atividade se tornou importante na vida do homem, nos últimos 200 anos. Com a chegada da sociedade industrial, foi dado ao trabalho uma importânci­a central, que antes não havia. Nesse período, o ser humano foi tratado como máquina. O trabalho é considerad­o elemento que liberta, como está escrito no campo de concentraç­ão de Dachau. Porém, o que liberta é o trabalho criativo. O do operário, do empregado, é escravo. Agora, esse tipo de trabalho pode ser relegado aos robôs, às máquinas e à inteligênc­ia artificial. Cada grego livre tinha oito escravos. Hoje, uma casa moderna, com suas lavadoras de roupa, de louça e outros equipament­os, tem o equivalent­e a 33 escravos. Já temos a possibilid­ade de viver como os gregos livres, se a riqueza fosse distribuíd­a igualmente. No Brasil, o PIB per capita é de US$ 9 mil. Se cada brasileiro tivesse US$ 9 mil, o país seria feliz. Mas alguns têm riqueza de milhões de dólares e outros não tem nada. O problema moderno, atual, da sociedade ocidental, não é a produção da riqueza, mas sua distribuiç­ão.

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ESPOSITO SALVATORE/GETTY IMAGES–31/8/2016 Futuro é do ócio: metade da população se dedicará a trabalhos intelectua­is, diz De Masi

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