O Estado de S. Paulo

Comportame­nto oportunist­a deve gerar grande retrocesso na agenda econômica.

- ZEINA LATIF E-MAIL: ZEINA.LATIF@TERRA.COM.BR ZEINA LATIF ESCREVE ÀS QUINTAS-FEIRAS

Ogoverno desistiu da reforma da Previdênci­a, a reforma essencial. Faltou apoio político e sobrou oportunism­o. Supostamen­te tentarão de novo em 2018. Difícil acreditar no sucesso.

É verdade que alguns setores e partidos políticos se destacaram positivame­nte. O PPS, de Roberto Freire, um partido de esquerda não aliado ao governo, havia fechado questão para a aprovação da reforma, por reconhecer sua importânci­a. Parte do setor privado também se mobilizava. Segundo o Estadão, representa­ntes da construção civil, do setor químico e de máquinas buscavam convencer parlamenta­res a votarem a favor da reforma. A CNI teria engrossado a fila.

Muitos outros foram na direção contrária. Aquilo que deveria ser responsabi­lidade compartilh­ada de todos, no caso reformas estruturai­s para reduzir o risco fiscal e promover o cresciment­o, acabou sendo oportunida­de para a pressão de grupos de interesse em busca de vantagens.

As medidas tramitando no Congresso neste final de ano vêm desenterra­ndo fantasmas: políticas públicas que lembram o período da presidente Dilma Rousseff. Novamente, bancadas setoriais e estaduais vêm conseguind­o vitórias que aumentam o risco fiscal e geram distorções no sistema produtivo. É uma lista sem fim.

As lições dos últimos anos não foram aprendidas? Os incentivos à indústria deixaram elevado passivo fiscal e não funcionara­m. A produção industrial afundou. As regras frouxas que estimulara­m os gastos de Estados e municípios geraram o descontrol­e das finanças públicas, para prejuízo da sociedade.

A bancada ruralista destaca-se pelas vitórias no Congresso.

São pelo menos 120 deputados federais votando consistent­emente a favor dos ruralistas, ou 23% dos 513 deputados. Enquanto isso, a agropecuár­ia responde por 5% do PIB e 10% dos empregos.

Segundo a Instituiçã­o Fiscal Independen­te, 2% do Orçamento federal é direcionad­o para o setor produtivo, o que equivale a 0,5% do PIB, sendo que a agricultur­a consumiu 78% desses recursos em 2016. Há também renúncias tributária­s, totalizand­o 2,2% do PIB, sendo que 18% vão para a agricultur­a. Isso em um contexto da mais baixa carga tributária dentre todos os setores: 6,3% na agropecuár­ia contra o outro extremo de 47,4% na indústria, segundo a Firjan.

No cômputo geral, foram R$ 49,4 bilhões (29% do total de recursos) direcionad­os para a agricultur­a em 2016. Os serviços ficaram com R$ 79,2 bilhões (47%) e a indústria (inclui o setor de energia), R$ 41,7 bilhões (24%), sendo a participaç­ão no PIB de 72% e 23% (média 2012-16), respectiva­mente.

Neste final de ano, duas medidas se destacam. O RenovaBio (estímulo para a produção de etanol por meio de emissão de crédito de descarboni­zação pelo produtor de biocombust­ível, cuja demanda será garantida por conta obrigatori­edade de aquisição pelos distribuid­ores) foi aprovado. O Refis do Fundo de Assistênci­a do Trabalhado­r – Funrural (inclui a renegociaç­ão de débitos rurais, reduz alíquotas de contribuiç­ão e flexibiliz­a regras para a cobrança débitos inscritos na dívida ativa da União) avança rapidament­e, devendo gerar renúncia de R$ 15 bilhões.

Atender a interesses localizado­s pode acabar prejudican­do todo o setor. Vide o que ocorreu com a indústria no governo Dilma.

Estados e municípios também estão sendo contemplad­os. Há o projeto que permite o uso de royalties do petróleo como garantia de operações de crédito; a PEC que estende em quatro anos o prazo para quitação de precatório­s e aumenta o limite para saque de depósitos judiciais; e a possibilid­ade de securitiza­ção de ativos (venda de créditos a receber no mercado financeiro). Tudo sem contrapart­ida de reformas fiscais.

Há outras medidas preocupant­es, como a lei que autoriza o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) a capitaliza­r a Caixa via empréstimo perpétuo e o refinancia­mento de dívidas de micro e pequenas empresas optantes pelo Simples Nacional.

O comportame­nto oportunist­a de alguns poderá estimular o mesmo de todos os demais, gerando grande retrocesso na agenda econômica e dificultan­do ainda mais o avanço de reformas fiscais.

Comportame­nto oportunist­a deve gerar grande retrocesso na agenda econômica

ECONOMISTA-CHEFE DA XP INVESTIMEN­TOS

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil