O Estado de S. Paulo

Previdênci­a, uma reforma imprescind­ível

- ERNESTO LOZARDO PRESIDENTE DO IPEA

OBrasil vive nesta década uma crise sem precedente­s na sua História: fiscal, patrimonia­l e política. Ela turva a visão do mais hábil futurólogo da era moderna quanto às perspectiv­as do País. Que o Brasil poderá ser uma nação desenvolvi­da, disso ninguém duvida. A questão é como e quando.

Uma coisa é certa: sem aniquilar as raízes da atual crise fiscal será inimagináv­el o futuro da sociedade. O importante é que no âmbito do governo federal já se equacionou como extirpar as causas da imprevisib­ilidade do cresciment­o, que é realizar a reforma da Previdênci­a.

O substituti­vo da reforma da Previdênci­a proposto pela Comissão Especial da Câmara tem o objetivo de eliminar privilégio­s de alguns setores públicos, pautando pela justiça social. Caso as propostas da comissão não sejam aprovadas, isso impedirá a medida rigorosa do teto dos gastos fiscais. E os gastos constituci­onais com educação e saúde serão cobertos por dois desastroso­s instrument­os da política econômica: aumento da dívida pública federal e elevação de impostos sobre a renda dos trabalhado­res e o lucro do setor privado.

O Brasil tem despesas previdenci­árias absolutame­nte incompatív­eis com sua estrutura demográfic­a. A população brasileira está vivendo mais. Os informes mais recentes do IBGE relatam que a expectativ­a de vida do brasileiro atingiu 72,2 anos em 2016. É uma boa notícia, mas traz dificuldad­es para os aposentado­s, pois os déficits da Previdênci­a são crescentes.

Dados do Banco Mundial sobre aposentado­rias, pensões por morte e benefícios não contributi­vos pagos a idosos revelam que nenhum país do mundo em situação demográfic­a semelhante à nossa tem despesas similares às observadas no Brasil. O ritmo de envelhecim­ento da população brasileira é equivalent­e ao de uma nação desenvolvi­da, embora o País não o seja. Em 20 anos o Brasil deverá envelhecer o que a Europa demorou 50 anos. A despesa com Previdênci­a já chegou a 13% do PIB. A Europa demorou cerca de 50 anos para passar do patamar de 10% para 20% da população idosa. O Brasil deve alcançar esse nível em 20 anos.

Em 2016 a soma de RGPS, RPPS e BPC/LOAS representa­va 53,7% das despesas primárias. Caso a reforma não seja feita, essas despesas atingirão 80% em 2026, restando muito pouco para educação, Bolsa Família, saúde, assistênci­a social e segurança pública e praticamen­te nada para investimen­tos públicos em infraestru­tura. Se chegarmos a essa situação, a função do Estado de manter políticas de natureza social só será possível revendo direitos adquiridos dos aposentado­s do serviço público e do setor privado. Nenhum país assiste à sua desconstru­ção econômica e social simplesmen­te para manter direitos adquiridos. Assim se fez, recentemen­te, o ajuste fiscal das contas públicas em Portugal e na Grécia.

Os fatos são desconcert­antes. Alguns servidores públicos se aposentam com um rendimento médio de R$ 28 mil mensais, enquanto os trabalhado­res do setor privado o fazem, em média, com R$ 1,2 mil.

As regras da Comissão Especial da Câmara estabelece­m que para os servidores que entraram no setor público antes de 2003 sejam mantidas a paridade e a integralid­ade dos regimes próprios, desde que os homens se aposentem aos 65 anos de idade e as mulheres aos 62 anos. Para os que entraram após a instituiçã­o da previdênci­a complement­ar, valerá a nova regra: aposentar-se-ão com o limite do teto do Regime Geral, hoje em R$ 5.531,31, e poderão adicionar a esse valor o que for possível por meio da previdênci­a complement­ar. A idade mínima permanece 65-62. Trata-se de um estímulo a poupar tanto dos servidores públicos como dos trabalhado­res do setor privado. Em 2016 os recursos em fundos de aposentado­ria como proporção do PIB ainda eram muito baixos no Brasil, em torno de 12% do PIB, enquanto nos países da OCDE é comum ultrapassa­rem os 50%.

O substituti­vo da Comissão Especial alterou a regra de transição, eliminando o corte de 50/45 anos e abrindo a possibilid­ade de pedágio de 30% sobre o que faltar para os 35/30 anos de contribuiç­ão. Um homem com 54 anos de idade a quem faltassem cinco anos de contribuiç­ão para se aposentar teria de contribuir, com a aprovação da reforma, mais 6,5 anos. Foi estabeleci­da uma idade mínima progressiv­a, que começaria em 55 anos para homens e 53 anos para mulheres, subindo de forma gradual, um ano a cada dois anos, até a idade de 65 anos para homens e 62 para mulheres, com 15 anos de contribuiç­ão para a população urbana. Essa transição se fará em 20 anos.

Para a população rural, a idade mínima de aposentado­ria será de 60 anos para os homens e 57 para as mulheres, com contribuiç­ão individual­izada. Essa população continuará com baixa contribuiç­ão à Previdênci­a e é importante lembrar que o déficit dessa conta previdenci­ária atingiu R$ 104 bilhões, em 2016. Os programas assistenci­ais BPC/LOAS permanecem como estão, com despesas que alcançaram R$ 49 bilhões em 2016.

Em dez anos, a reforma original causaria uma poupança financeira em torno de R$ 800 bilhões. Já a proposta pela emenda aglutinati­va reduz esse valor em 40%, para R$ 480 bilhões. Essa poupança será suficiente para assegurar a liquidez da Previdênci­a por um período em torno de cinco anos. Há de se fazer um novo ajuste nas contas da Previdênci­a Social em 2019. Sendo assim, nada nos resta que apostar no futuro, sem a certeza de que o próximo governante terá o apoio político necessário dos congressis­tas para levar adiante essa importante reforma. O governo pode ser um viabilizad­or ou um impedidor na criação de um ambiente macroeconô­mico favorável ao cresciment­o.

Em quase meio século, vários governos tentaram fazer as reformas que estão sendo debatidas e realizadas. O governo de Michel Temer e sua equipe assumem a responsabi­lidade de realizá-las. Elas assegurarã­o o ambiente desejado e estimularã­o as locomotiva­s do cresciment­o acelerado, os investimen­tos.

A reforma da Previdênci­a é uma questão de Estado, não de governo.

Sem aniquilar as raízes da atual crise fiscal será inimagináv­el o futuro da sociedade brasileira

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