O Estado de S. Paulo

Choque de realidade

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Acostumado­s a uma vida de facilidade­s assegurada durante décadas por fartas receitas creditadas automatica­mente nas contas bancárias das entidades que dirigem, sindicalis­tas estão sendo submetidos a um choque de realismo que finalmente os obriga a agir com um mínimo de racionalid­ade e mais respeito com o dinheiro e as condições de trabalho daqueles que dizem representa­r. Sem contar mais com o imposto sindical que sustentava a maior parte de suas atividades – ea vida confortáve­l de boa parte de seus dirigentes –, as organizaçõ­es sindicais precisam convencer os trabalhado­res de suas bases a concordar com o pagamento de novas contribuiç­ões para manter suas atividades.

Serão, decerto, menos atividades do que as que até agora desempenha­ram, pois, com o fim do imposto sindical em decorrênci­a da entrada em vigor da reforma trabalhist­a no dia 11 de novembro, haverá menos recursos em caixa. Mesmo para obter recursos em volumes menores do que aqueles que obtinham sem esforço até há pouco, os dirigentes sindicais precisarão mudar seus métodos de atuação, para se aproximar mais de suas bases e conhecer sua realidade e, assim, atender às suas necessidad­es. E terão de fazer isso com menos dinheiro e com estrutura bem menor.

A crise política e econômica, que afetou duramente as finanças do setor público, a vida das famílias e a atividade das empresas privadas, impôs sérias dificuldad­es a todos. Governos foram ou estão sendo forçados a adotar rigorosos programas de ajuste financeiro, empresas tiveram de adaptar seu quadro de pessoal e sua estrutura produtiva à longa redução da atividade econômica, famílias reduziram seu consumo em razão do desemprego de um ou mais de seus membros e da queda da renda real dos que se mantiveram em atividade. Com ou sem reforma trabalhist­a, também os sindicatos teriam de se adaptar à crise.

Várias organizaçõ­es sindicais já anunciaram programas de redução de pessoal, por meio de cortes de empregados ou de programas de demissão voluntária, de venda de ativos e de redução de outros custos, inclusive com aluguel, como mostrou reportagem do Estado. São claras as razões financeira­s para esse ajuste. Estima-se que, se as entidades sindicais conseguire­m obter de suas bases a aprovação de uma contribuiç­ão anual equivalent­e a 6% do salário mensal para sustentar suas atividades, a receita cairá cerca de um terço em relação à que obtinham durante a vigência do imposto sindical. Para fechar suas contas, o ajuste terá de ser proporcion­al à redução de receitas.

As organizaçõ­es sindicais em todas as suas instâncias – sindicatos, federações, confederaç­ões e centrais sindicais – empregam cerca de 300 mil pessoas, sendo 115 mil empregados diretos e o restante contratado como prestadore­s de serviços. O Departamen­to Intersindi­cal de Estatístic­a e Estudos Socioeconô­micos (Dieese), instituiçã­o de pesquisa sustentada pelos sindicatos, estima que, até meados de 2018, 100 mil desses trabalhado­res serão afetados.

A Central Única dos Trabalhado­res (CUT), maior central sindical do País, recebeu no ano passado R$ 59,8 milhões como sua parte na divisão do velho imposto sindical. Para se adaptar à nova realidade, lançou um plano de demissões voluntária­s. Sua diretoria anuncia que, se o número de adesões não for suficiente para cortar em cerca de 60% sua folha de pagamentos, haverá demissões.

A Força Sindical, que em 2016 recebeu R$ 46,6 milhões do imposto sindical, responsáve­l por 95% de seu orçamento, fala em debater “formas de financiame­nto justas” para as centrais. Já a terceira maior central, a União Geral dos Trabalhado­res (UGT) – cota de R$ 44,8 milhões em 2016 –, vai mudar de sede. Sairá do prédio de oito andares que ocupa atualmente no centro da cidade de São Paulo para um andar e meio no prédio do Sindicato dos Comerciári­os de São Paulo – o qual, como se vê, procura aumentar suas receitas com o aluguel de parte de sua sede.

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