O Estado de S. Paulo

Ainda há tempo

- RAUL VELLOSO CONSULTOR ECONÔMICO

Como o governo não consegue votar a reforma que está aí, caberia implementa­r o caminho que venho defendendo há mais de um ano, inclusive ao próprio presidente Temer. Perante vários governador­es, ele se mostrou inicialmen­te simpático à ideia apresentad­a. Esbarrou, contudo, no radicalism­o das autoridade­s fazendária­s.

Penso ser melhor deixar a reforma de regras previdenci­árias para uma segunda fase, e, enquanto há tempo, adotar a melhor solução possível no curto prazo.

Na verdade, para uma boa mudança: 1) os efeitos teriam de ser rápidos; 2) o ônus deveria ser maior sobre os menos pobres; 3) algum tipo de troca com grupos sociais relevantes teria de ocorrer; e 4) o equacionam­ento do brutal problema financeiro de curto prazo dos entes subnaciona­is deveria ser parte da solução. Mas a estratégia de ação seguida pelo governo não atende a nenhum desses pré-requisitos.

Sendo uma reforma que só muda regras e abrange todo o espectro de beneficiár­ios, afeta igualmente menos pobres e mais pobres. Para não ferir fortemente direitos adquiridos, a vigência de uma reforma como a proposta pelo governo acaba acontecend­o bem mais à frente do que os reformista­s desejariam.

Paralelame­nte, não inclui qualquer “cereja” para trocar pelo apoio de algum grupo, sem o que não se aprova nada no nosso sistema político. Para completar, ignora inteiramen­te o problema de financiame­nto de curto prazo de Estados e municípios que não têm o mesmo dom da União de emitir moeda e financiar déficits elevados, mas são aliados potenciais na aprovação de qualquer reforma. As autoridade­s federais precisam perceber que os orçamentos têm outros donos – que não governador­es ou prefeitos – que abocanham até 60% da receita corrente relevante, conforme as contas que fiz para o caso do Rio de Janeiro, e estes senhores se recusam a pagar qualquer despesa relacionad­a com Previdênci­a usando recursos de seus suborçamen­tos cativos. Com apenas 40% de margem, governador­es e prefeitos têm de começar pagando o total das despesas de inativos pensionist­as, sempre acima de 20% da mesma receita, e depois enfrentar as necessidad­es dos suborçamen­tos das demais secretaria­s menos prioritári­as.

Dessa forma, para atender aos prérequisi­tos acima indicados, o que é preciso não é reformar regras, mas equacionar – ou zerar – o passivo atuarial, não de todas as previdênci­as, mas, na atual emergência, apenas dos regimes previdenci­ários dos servidores públicos, em que os déficits/passivos são gigantesco­s e predominam as maiores e mais injustas aposentado­rias e pensões do País. O que, aliás, está previsto no artigo 40 da Constituiç­ão federal, mas ninguém cumpre.

Isso implica criar um gigantesco fundo de pensão à parte do orçamento tradiciona­l, transferin­do para ele os gastos com inativos e pensionist­as, as contribuiç­ões patronais e a cobertura dos gastos com inativos e pensionist­as de todos os suborçamen­tos (especialme­nte dos que hoje nada pagam), as contribuiç­ões dos beneficiár­ios, ativos e outros recebíveis de propriedad­e do ente público.

No final, zerar a diferença, em termos de valor presente, entre os fluxos de receitas e despesas do fundo, ao longo, digamos, dos próximos 70 anos, por meio de contribuiç­ões suplementa­res das partes envolvidas e aprovando a legislação infraconst­itucional que for necessária.

Aos sindicatos de servidores dirse-ia que essa é a única forma de conferir sustentabi­lidade aos vários regimes próprios, e, aos dirigentes regionais, a única viável de direcionar recursos para cobrir suas necessidad­es de caixa imediatas.

Isso se faria mediante a securitiza­ção de ativos e/ou recebíveis que fossem mobilizado­s para o fundo, gerando recursos líquidos capazes de cobrir os buracos previdenci­ários respectivo­s e liberando verbas para as demais finalidade­s orçamentár­ias. Nesta hora, todos os dirigentes se perfilaria­m do lado do governo para aprovar uma reforma de regras mais adiante, pois ela serviria para reduzir as contribuiç­ões suplementa­res requeridas para fechar a conta.

Mais urgente que reformar regras é equacionar, ou zerar, o passivo atuarial dos regimes previdenci­ários dos servidores

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