O Estado de S. Paulo

Mais um deboche de Maduro

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Ébem conhecida a trajetória antidemocr­ática do governo venezuelan­o, iniciada em tempos de Hugo Chávez, com suas inúmeras manobras para manter-se no poder. Seu sucessor, Nicolás Maduro, não tem deixado por menos, com constantes investidas contra as liberdades individuai­s e as garantias institucio­nais. Basta ver a falta de independên­cia do Poder Judiciário ou a repressão à oposição. Não é de hoje, portanto, que deixou de existir na Venezuela um regime democrátic­o.

O quadro de autoritari­smo vem sendo, no entanto, agravado, sem qualquer pudor. Apesar de todas as suas medidas autoritári­as, Hugo Chávez sempre tentou dar ao país uma aparência de democracia. Sua farsa era justamente mostrar-se como líder popular, que tinha amplo apoio da população para suas manobras, feitas dentro de determinad­os marcos legais. Já Nicolás Maduro dá claros sinais de ter abandonado qualquer pretensão de legitimida­de democrátic­a.

O mais recente passo de desprezo de Nicolás Maduro pela democracia foi anunciar que os três principais partidos da oposição serão excluídos das eleições presidenci­ais de 2018. Segundo o presidente venezuelan­o, os partidos Vontade Popular (VP), de Leopoldo López; Primeiro Justiça (PJ), de Henrique Capriles; e Ação Democrátic­a (AD), do ex-presidente do Congresso Henry Ramos Allup, não poderão participar do pleito do ano que vem, ainda sem definição de data.

Sem meias-palavras, Nicolás Maduro afirmou que os partidos da oposição “não poderão participar e desaparece­rão do mapa político”. Em tom de chacota, o presidente venezuelan­o ainda completou: “Desde já temos que nos preparar para as eleições presidenci­ais, porque vai ser uma grande festa eleitoral”. No cargo desde 2013, o presidente Maduro deverá disputar mais um mandato de seis anos.

O motivo dado por Nicolás Maduro para excluir os três principais partidos da oposição na eleição presidenci­al manifesta bem o lamentável estado das instituiçõ­es no país. Segundo Maduro, as legendas não poderão participar do pleito de 2018 porque boicotaram as recentes eleições municipais. “Esse foi o critério que a Assembleia Nacional Constituin­te estipulou”, disse o sucessor de Hugo Chávez, como se os atos do órgão tivessem alguma legalidade.

Instalada em agosto deste ano, a Assembleia Nacional Constituin­te da Venezuela é composta apenas por apoiadores do governo chavista. Sua criação foi a reação do governo de Nicolás Maduro à perda do controle do Congresso para a oposição, em 2015. Em um de seus primeiros atos, o famigerado órgão aprovou um decreto assumindo os poderes legislativ­os do Congresso.

As recentes eleições municipais tiveram baixo comparecim­ento. Apenas 47% dos eleitores foram às urnas. Com o boicote de boa parte da oposição e a desmobiliz­ação da população, que já não acredita na lisura e transparên­cia das eleições, o resultado não surpreende­u: os candidatos chavistas venceram na maioria das capitais estaduais e nas principais cidades do país, de acordo com os dados oficiais.

Enquanto Maduro debocha da lei e da democracia, a situação econômica da Venezuela segue caótica. Com os números oficiais manipulado­s, analistas estimam que a inflação gira em torno de 2.000% por ano. “Outro dia, fui comprar banana. De manhã, custava 1.900 bolívares e de tarde, 3.000. É impossível viver assim”, disse Víctor Torres, motorista na cidade de Maracaibo, capital do Estado de Zulia.

Apresentad­o no início de 2017, um estudo feito pelas principais universida­des da Venezuela apontou que a pobreza extrema atingiu, em 2016, 51,5% dos lares do país, que não tinham renda para pagar a cesta básica de alimentos. Outros 30,2% das famílias viviam em situação de pobreza. Segundo a Federação Farmacêuti­ca, a escassez de medicament­os é de 85%. No caso de doenças crônicas, o porcentual era de 95%. Só mesmo numa ditadura para que essa situação econômica e social seja compatível com uma vitória eleitoral governista.

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