O Estado de S. Paulo

Coleção de erros

- ELIANE CANTANHÊDE E-MAIL: ELIANE.CANTANHEDE@ESTADAO.COM TWITTER: @ECANTANHED­E ELIANE CANTANHÊDE ESCREVE ÀS TERÇAS E SEXTAS-FEIRAS E AOS DOMINGOS

Ogoverno colecionou erros na condução da reforma da Previdênci­a e foi punido ontem com a sua maior derrota desde a posse, em maio de 2016. Ao adiar a votação na Câmara para 19 de fevereiro, foi obrigado a reconhecer que não tem os 308 votos necessário­s e aumentou a percepção de que, se não aprovou em 2017, não aprova mais.

O primeiro erro, sobretudo do próprio presidente Michel Temer, foi o salto alto. Após derrubar as duas denúncias da PGR na Câmara, Temer, que já presidiu a Casa três vezes, achou que seria capaz de aprovar qualquer coisa. O céu era o limite.

Essa arrogância – até compreensí­vel para quem esteve acuado, sofreu um bocado e teve de lutar como um leão durante meses – foi reforçada pela lista de vitórias importante­s do governo no Congresso, como a reforma trabalhist­a, o teto de gastos, a revisão do teto, a mudança do sistema de exploração do pré-sal e a reforma do ensino médio.

Depois de tantas vitórias e de tantos votos, como ele poderia perder justamente no seu projeto mais caro, o centro do seu programa de governo, a sua maior expectativ­a como legado à História? Pois é. Poderia perder perdendo e agora sem perspectiv­a de mudar esse quadro num ano eleitoral particular­mente instável e desestabil­izador.

O segundo erro do governo foi confiar tanto na sua obesa base aliada quanto nos seus instrument­os de “convencime­nto”. A base estava exaurida, depois de enfrentar os holofotes e microfones votando contra as denúncias da PGR. E os instrument­os já tinham sido esgotados exatamente para salvar o pescoço de Temer nas duas votações. Desde o início, os deputados repetiam: “Já dei minha cota de sacrifício com as denúncias. Agora, chega”.

O terceiro erro foi acreditar no programa e na índole reformista do PSDB, considerad­o essencial para mudar as regras da aposentado­ria. Apesar de seus ministério­s, o partido não apenas infernizou a vida de Temer como lhe puxou o tapete na hora decisiva. O discurso era “saímos do governo, mas votamos a favor da reforma”. Era conversa pra boi dormir e agradar ao mercado. Os tucanos foram pulando fora tanto dos cargos quanto do compromiss­o com a reforma.

O quarto erro foi esticar demais o discurso de que a votação seria neste ano, quando todo mundo sabia que seria praticamen­te impossível. Obcecado pela reforma, Temer demorou a jogar a toalha. Coube ao líder Romero Jucá mostrar que o rei estava nu.

O último erro foi de comunicaçã­o. Quem rastrear de onde parte a campanha contra a reforma vai perceber que não é “do povo”, nem “dos trabalhado­res”, nem mesmo das grandes confederaç­ões, só dos partidos de oposição e das corporaçõe­s do funcionali­smo público. Exemplo: a ministra dos Direitos Humanos, Luislinda Valois, recebe mais de R$ 30 mil de aposentado­ria como magistrada. Será que os magistrado­s querem mesmo uma reforma para acabar com a mamata e garantir a aposentado­ria da maioria dos trabalhado­res do INSS?

A propaganda contra a reforma é paga por associaçõe­s, frentes e organizaçõ­es de auditores e outras carreiras de Estado. O governo demorou a perceber e mais ainda para reagir. A última peça de publicidad­e a favor da reforma é boa, mas veio tarde demais. Agora, só rezando para o País e o Congresso amanhecere­m diferentes em fevereiro. Será?

Deixa pra lá. O CNJ adia para 2018 tanto a publicação dos supersalár­ios quanto a ratificaçã­o de pendurical­hos como o auxílio-moradia. A gritaria estava ensurdeced­ora.

Cara de pau 2. No rastro do amigão Lula, Sérgio Cabral usou seu depoimento, ontem, como palanque, reclamou de uma perseguiçã­o “kafkiana” e reduziu tudo a caixa 2. Caixa 2, porém, foi o mais singelo crime de Cabral e sua mulher.

Ao colecionar erros na reforma da Previdênci­a, Temer sofreu sua pior derrota

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