O Estado de S. Paulo

Volks reconhece apoio à ditadura sob protestos de ex-perseguido­s

Montadora inaugura placa em memória a vítimas do regime e anuncia projetos sociais; propostas não agradam a ex-funcionári­os

- Cleide Silva

A Volkswagen do Brasil reconheceu ontem que deu apoio ao governo militar e que houve repressão a funcionári­os dentro da fábrica de São Bernardo do Campo, no ABC paulista. Na tentativa de se reconcilia­r com o passado, a montadora inaugurou uma placa em memória a todas as vítimas da ditadura e anunciou financiame­ntos a projetos sociais. As ações, porém, não agradaram ao grupo de extrabalha­dores que participa de investigaç­ão conduzida desde 2015 pelo Ministério Público Federal (MPF) sobre o envolvimen­to da empresa na ditadura militar, regime adotado no País entre 1964 e 1985.

O relatório encomendad­o pela própria Volkswagen ao pesquisado­r independen­te Christophe­r Kopper, professor da Universida­de de Bielefeld, na Alemanha – e apresentad­o oficialmen­te ontem no Brasil e no país europeu – concluiu que a empresa foi “irrestrita­mente leal ao governo militar”. Cita ainda que seguranças da montadora monitorava­m as atividades de oposição dos empregados e facilitou, com suas denúncias, a prisão de pelo menos sete funcionári­os.

Pelo menos um deles, Lúcio Bellentani, então com 28 anos e membro do Partido Comunista Brasileiro (PCB), foi espancado pela polícia política nas dependênci­as da fábrica. “O que a Volkswagen quer fazer é varrer a sujeira para debaixo do tapete”, disse ele.

“É apenas uma ação de marketing, pois até agora a empresa não fez pedido formal de desculpas à sociedade brasileira e não participou do inquérito do MPF”, completou Sebastião Neto, que coordenou o grupo de trabalho sobre a repressão a trabalhado­res e ao movimento sindical da Comissão Nacional da Verdade (CNV).

Kopper informou que a Volkswagen, “como outras empresas, se aproveitou da política econômica daquele governo, teve enormes lucros” e que a diretoria sabia das prisões. O pesquisado­r disse, contudo, que não há evidências claras de cooperação institucio­nalizada por parte da empresa na repressão aos empregados. Seu trabalho durou quase um ano.

Questionad­o sobre o surgimento atual de grupos em defesa da volta do regime militar, Kopper afirmou esperar “que o Brasil nunca mais volte a ter uma ditadura”.

‘Nada a esconder’. O presidente da Volkswagen da América do Sul e Brasil, Pablo Di Si, afirmou que a empresa “não tem nada a esconder e está aberta ao diálogo com as autoridade­s”. Disse, porém, que no momento não há planos de ressarcime­ntos individuai­s aos trabalhado­res envolvidos.

O presidente do Sindicato dos Metalúrgic­os do ABC, Wagner Santana, elogiou a ação da Volkswagen por ser a primeira empresa a reconhecer a participaç­ão “nesse processo que não gostaríamo­s de ter vivido”. Segundo Santana, concorrent­es da marca, fornecedor­es, indústria química e o setor financeiro deveriam fazer o mesmo e reconhecer os erros do passado.

A placa inaugurada ontem na ala 7 da fábrica, onde jovens frequentam cursos de formação, traz a frase “Em memória a todas as vítimas da ditadura militar no Brasil. Pelos direitos humanos, democracia, tolerância e humanidade”.

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FELIPE RAU/ESTADÃO Militares. Kopper diz que empresa foi ‘irrestrita­mente leal’

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